quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Trabalhadores da Marfrig “vieram a óbito” e a culpa é da terceirizada?

A nota oficial da Marfrig em relação aos trabalhadores mortos e em risco de vida em Bataguassu (MS) mostra como as empresas – por meio de suas equipes de comunicação - tentam atenuar o horror da exploração de homens por outros homens. Cada palavra escolhida visa minimizar a tragédia. Mas o discurso merece alguns questionamentos, trecho por trecho. Vejamos.


A Marfrig informa que o acidente na manhã desta terça-feira (31) envolvendo a unidade de curtume no município de Bataguassu (MS) foi controlado pelo Corpo de Bombeiros.


“Envolvendo”? Algo de cima, ou de fora, estranho à Marfrig, que “envolvesse” sua “unidade de curtume”? Na verdade quatro trabalhadores brasileiros morreram intoxicados na Marfrig. Enquanto serviam à Marfrig, em um trabalho de alto risco. Por responsabilidade direta da Marfrig, que deveria zelar pela segurança de seus funcionários.


O curtume está isolado para perícia técnica e não há qualquer risco de intoxicação ou perigo.


Que bom sabermos disso, não? Mas assim que a perícia liberar o curtume a empresa seguirá obtendo normalmente seus lucros. Nesse caso, haverá risco? As empresas informam à sociedade os riscos embutidos em suas atividades? Quais são eles?


Aproximadamente 20 funcionários intoxicados foram encaminhados à Santa Casa local.


Aproximadamente, mais ou menos 20 funcionários? Tipo assim: “demos uma olhadinha e parece que eram uns 20 caras”? Poderiam informar com precisão? Qual o controle, afinal, numa área de tamanho risco? Quem estava no local?


Destes, 4 vieram a óbito e 3 foram removidos em UTIs móveis para tratamento na Santa Casa de Presidente Prudente (SP). Os demais seguem sendo atendidos localmente e estão fora de perigo.


Os quatro mortos aparecem de passagem no texto. São uma espécie de detalhe. E eles, vejam só, “vieram a óbito”. Não foram asfixiados, violentados por um veneno explosivo. A frase coloca as mortes en passant e segue para seu final inadvertidamente irônico: na Santa Casa de “Prudente”. E logo se avisa que os “demais” (não se sabe quantos, afinal) estão “fora de perigo”. Leitura jornalística: quatro morreram e três correm risco de morrer.


A causa do acidente está sendo apurada pela polícia técnica. Informações preliminares indicam que houve reação química no descarregamento de insumos realizado por uma empresa terceirizada.


Aaaaah, então a culpa é da empresa terceirizada. Claro. Ora, essa é a mesma desculpa utilizada por todos os patrões flagrados com trabalhadores escravos. Mal têm margem de lucro, as pobres corporações, e não podem fiscalizar os tais “terceiros”.


A equipe local da empresa está empenhada na prestação de atendimento aos funcionários atingidos e suas famílias.


Os funcionários “atingidos” e suas famílias agradecem.


Assim que as causas do acidente forem esclarecidas pelas autoridades competentes a empresa voltará a informar.


Só depois disso? O esclarecimento das causas costuma demorar. A empresa não deveria voltar a “informar” mais vezes?


A unidade frigorífica de Bataguassu, próxima ao curtume, não foi atingida pelo acidente.


A empresa não tinha um final melhor para uma nota fúnebre? Devemos soltar fogos por estar intacta a unidade frigorífica?


As grandes empresas possuem equipes de comunicação especializadas em “gestão de crise”. Notas como essa, porém, longe de minimizar a crise, expõem o quanto, no Brasil, as relações de trabalho seguem “aproximadamente” nas condições do século 19.


Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
 

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3 comentários:

Chi Qo disse...

Já viu um documentário chamado "The Corporation"?
Lá as empresas são descritas como entidades virtualmente imortais e seu comportanmento é analisado à luz da psicanálise apontando para um comportamento psicótico e unicamente voltado para o lucro...
Essa merda de empresa pode não ser grande coisa, mas certamente é um bracinho da cadeia produtiva que usa o trabalhador, matando-o ou abandonando-o quando mutilado ou inutilizado.

Alceu Castilho, jornalista. disse...

sim, Chico. Neste trecho Milton Santos (Por uma Geografia Nova) utiliza a palavra "insensatez" para falar da economia mundial:

"O mundo mundializado aí está sob nossos olhos, como um fato, embora mascarado pelas próprias condições em que foi gerado: quando a economia se baseia na insensatez, a ordem social apenas se mantém porque a ideologia se intromete; e a ordem política fica obrigada a se confundir, e isto ao infinito, com as demais instâncias da vida".

Maurício Bittencourt disse...

Quando as empresas são instaladas, as mesmas equipes de comunicação facilmente convencem a todos de que o risco de acidentes é zero. A sociedade aceita, maravilhada com os "avanços científicos", na ilusão de que a opção tecnológica seja isenta de ideologia.