segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Uso de bala de borracha não é algo universal, mostra Eric Hobsbawm

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Invoco o historiador Eric Hobsbawm para mostrar que o emprego de bala de borracha para controlar massas não é algo universal. Nesta segunda-feira, em Salvador, mais um manifestante ficou ferido - no rosto - diante da banalização, pelas polícias brasileiras, do uso desse recurso. Mas muitos países não utilizam nem esse nem outros métodos violentos de repressão.

Hobsbawn fala do assunto em seu livro “Globalização, Terrorismo e Democracia” (Companhia das Letras, 2007). Em um capítulo chamado A ordem pública em uma era de violência, ele discorre sobre o aumento das forças policiais no mundo – e sobre o aumento do emprego da força.

É nesse ponto que ele diz que os especialistas em controle de massas dispõem hoje de quatro tipos principais de instrumentos para enfrentar manifestações “violentas”:
  • químicos (como o gás lacrimogêneo);
  • cinéticos (armas de dispersão, balas de borracha);
  • jatos de água;
  • tecnologias de atordoamento.
O historiador faz, então, uma lista de países para ilustrar as variações entre o que chama de enfoque tradicional e o “moderno” no campo real do controle de massas:

- A Noruega não emprega nenhum dos quatro; Finlândia, Holanda, Índia e Itália, apenas um, a saber, do tipo químico. Dinamarca, Irlanda, Rússia, Espanha, Canadá e Austrália usam dois; a Bélgica e os pesos pesados Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e mais a pequena Áustria têm os quatro tipos prontos para a ação.

Vale ressaltar que ele está se referindo a manifestações “violentas”. E não a manifestações pacíficas, democráticas – que as polícias brasileiras já se acostumaram igualmente a reprimir, das mais diversas formas.

Não estamos ainda nem falando do uso indevido do recurso: balas de borracha apontadas para o peito, para o rosto, para os olhos, oferecendo riscos diversos para os manifestantes.

O fato é que se naturaliza, com isso, uma expressão institucional da barbárie. Como a guilhotina, como a escravidão, as balas de borracha poderiam ser simplesmente abolidas. Mas, no Brasil, parecem ser o primeiro recurso, uma espécie de fetiche das forças de segurança.

UM DIA NA FEBEM

Uma vez, repórter do Estadão, fui num domingo cobrir o dia seguinte de uma rebelião na Febem Imigrantes. Alguns adolescentes tinham fugido na noite anterior. Houve mortos. As mães e demais parentes (quase todos mulheres) formavam uma fila, em busca de notícias dos internos. Estavam em ordem – a fila, diga-se de passagem, era infinitamente mais ordeira que filas feitas pelas classes média e alta em São Paulo.

Embora as mulheres estivessem quietas, um caminhão da Tropa de Choque passava provocando-as. Os policiais queriam briga. De fato, dali a alguns minutos, enquanto entrevistava algumas pessoas, vi os PMs atirando a esmo. Também fiquei na mira das armas. Várias pessoas ficaram feridas. No dia seguinte, emplaquei a manchete do caderno Cidades: “Tropa de choque atira em parentes em frente da Febem”.

Parecia-me a abordagem honesta. A notícia da fuga já fora explorada pelas televisões. Eu quis testemunhar, como repórter, o que vi, in loco.

No dia seguinte, porém, tomei bronca do editor. Ele alegou que eu fora “parcial”. Pois as TVs mostraram que alguém jogara uma pedra no caminhão. Retruquei que isso não justificava balas atiradas a esmo em mulheres, idosas, crianças. Que poderiam localizar a pessoa que atirara aquela – aquela única – pedra. Disse também que, se quisessem se basear no relato da televisão, não era necessário enviar repórter.

Minha sensação foi a de que eu convenci o editor. Mas ele não podia admitir, pois a bronca nitidamente viera da direção do jornal.

É que, de longe, sem convivermos com as pessoas que são vítimas desse tipo de violência estatal, fica muito mais fácil dizer que tudo aquilo é normal. Não é – e pobre da sociedade que acha que sim.

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2 comentários:

Cabeda disse...

A Globo reconheceu: http://www.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Ff5.folha.uol.com.br%2Ftelevisao%2F1033138-globo-da-credito-a-band-em-reportagem-sobre-fraude-em-postos.shtml&h=QAQG7Q6f8

Alceu Castilho, jornalista. disse...

não sabia disso. De qualquer forma foi uma ótima reportagem, entre várias outras que o Fantástico tem feito.