Uso de bala de borracha
não é algo universal, mostra Eric Hobsbawm
Invoco o historiador
Eric Hobsbawm para mostrar que o emprego de bala de borracha para
controlar massas não é algo universal. Nesta segunda-feira, em
Salvador, mais um manifestante ficou ferido - no rosto - diante da banalização,
pelas polícias brasileiras, do uso desse recurso. Mas muitos países
não utilizam nem esse nem outros métodos violentos de repressão.
Hobsbawn fala do
assunto em seu livro “Globalização, Terrorismo e Democracia”
(Companhia das Letras, 2007). Em um capítulo chamado A ordem pública
em uma era de violência, ele discorre sobre o aumento das forças
policiais no mundo – e sobre o aumento do emprego da força.
É nesse ponto que ele
diz que os especialistas em controle de massas dispõem hoje de
quatro tipos principais de instrumentos para enfrentar manifestações
“violentas”:
- químicos (como o gás lacrimogêneo);
- cinéticos (armas de dispersão, balas de borracha);
- jatos de água;
- tecnologias de atordoamento.
O historiador faz,
então, uma lista de países para ilustrar as variações entre o que
chama de enfoque tradicional e o “moderno” no campo real do
controle de massas:
- A Noruega não emprega
nenhum dos quatro; Finlândia, Holanda, Índia e Itália, apenas um,
a saber, do tipo químico. Dinamarca, Irlanda, Rússia, Espanha,
Canadá e Austrália usam dois; a Bélgica e os pesos pesados Estados
Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e mais a pequena Áustria têm
os quatro tipos prontos para a ação.
Vale ressaltar que ele
está se referindo a manifestações “violentas”. E não a
manifestações pacíficas, democráticas – que as polícias
brasileiras já se acostumaram igualmente a reprimir, das mais
diversas formas.
Não estamos ainda nem
falando do uso indevido do recurso: balas de borracha apontadas para
o peito, para o rosto, para os olhos, oferecendo riscos diversos para
os manifestantes.
O fato é que se
naturaliza, com isso, uma expressão institucional da barbárie. Como
a guilhotina, como a escravidão, as balas de borracha poderiam ser
simplesmente abolidas. Mas, no Brasil, parecem ser o primeiro
recurso, uma espécie de fetiche das forças de segurança.
UM DIA NA FEBEM
Uma vez, repórter do
Estadão, fui num domingo cobrir o dia seguinte de uma rebelião na
Febem Imigrantes. Alguns adolescentes tinham fugido
na noite anterior. Houve mortos. As mães e demais parentes (quase
todos mulheres) formavam uma fila, em busca de notícias dos
internos. Estavam em ordem – a fila, diga-se de passagem, era
infinitamente mais ordeira que filas feitas pelas classes média
e alta em São Paulo.
Embora as mulheres
estivessem quietas, um caminhão da Tropa de Choque passava
provocando-as. Os policiais queriam briga. De fato, dali a alguns
minutos, enquanto entrevistava algumas pessoas, vi os PMs atirando a
esmo. Também fiquei na mira das armas. Várias pessoas ficaram
feridas. No dia seguinte, emplaquei a manchete do caderno Cidades: “Tropa de
choque atira em parentes em frente da Febem”.
Parecia-me a abordagem
honesta. A notícia da fuga já fora explorada pelas televisões. Eu
quis testemunhar, como repórter, o que vi, in loco.
No dia seguinte, porém,
tomei bronca do editor. Ele alegou que eu fora “parcial”. Pois as
TVs mostraram que alguém jogara uma pedra no caminhão. Retruquei
que isso não justificava balas atiradas a esmo em mulheres, idosas,
crianças. Que poderiam localizar a pessoa que atirara aquela –
aquela única – pedra. Disse também que, se quisessem se basear no
relato da televisão, não era necessário enviar repórter.
Minha sensação foi a
de que eu convenci o editor. Mas ele não podia admitir, pois a
bronca nitidamente viera da direção do jornal.
É que, de longe, sem
convivermos com as pessoas que são vítimas desse tipo de violência
estatal, fica muito mais fácil dizer que tudo aquilo é normal. Não
é – e pobre da sociedade que acha que sim.
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2 comentários:
A Globo reconheceu: http://www.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Ff5.folha.uol.com.br%2Ftelevisao%2F1033138-globo-da-credito-a-band-em-reportagem-sobre-fraude-em-postos.shtml&h=QAQG7Q6f8
não sabia disso. De qualquer forma foi uma ótima reportagem, entre várias outras que o Fantástico tem feito.
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