quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Secretaria de Segurança xinga jornalista e descreve celas de presas na USP como “jardim de inverno”
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Diante da divulgação do relato de uma das presas no domingo na USP, o editor do portal da Secretaria de Estado da Segurança Pública, Adriano Kirche Moneta, decidiu partir para o ataque contra este jornalista, autor da reportagem publicada no blog Outro Brasil. Ele colocou a palavra "jornalista" entre aspas e me chamou de “idiota” e “babaca que assiste muito filme de 007”.
 
Também editor das redes sociais na SSP, o órgão que comanda as polícias civil e militar em São Paulo, Kirche Moneta chamou os presos de mentirosos. Segundo ele, as celas de menos de 2 metros quadrados que as presas descreveram (uma para a adolescente de 16 anos presa no 14º Distrito Policial, uma para as cinco estudantes adultas, outra para os seis homens presos) são, na verdade, “uma espécie de jardim de inverno”.
 
Kirche Moneta repercutia um post do jornalista Pedro Pomar, que publicou - em um grupo no Facebook chamado Jornalistas - link para o relato feito por Aline Dias Camoles, uma entre os 12 presos no domingo. Leiam aqui esse relato, no texto "'Disseram que estavam nos levando para Auschwitz', conta Aline, presa na USP"
 
Às 8h43 desta quarta-feira (22), Kirche Moneta publicou o seguinte comentário:
 
O que esse "jornalista" escreve é em grande parte mentira. Eu estava lá durante todo o tempo. Esse "jornalista" não. Chegou bem depois e só escreve o que ouviu, não o que viu. A grávida jamais foi arrastada ou agredida. Eu gravei imagens sem corte da conversa dos policiais com ela. Nenhuma agressão, nada. Até pegaram uma cadeira para transporta-la pois a moça não queria se levantar. Ela foi levada sentada nessa cadeira por 4 policiais. Na delegacia, todos ficaram num lugar que é uma espécie de jardim de inverno. De que cela estão falando??? A grávida que foi "agredida" estava lá, rindo, andando para cá e para lá, olhando a repercussão das mentiras nas redes sociais, laptop aberto, ligado. São um bando de mentirosos. E esse "jornalista" idem, um babaca que assiste muito filme de 007. Lá pelas tantas, ele quis saber se a PM sabia o nome de todos os jornalistas e por que, tipo, querendo dizer que a liberdade estava ameaçada pois a polícia fichava todos os jornalistas e etc. Idiota.
 
Kirche Moneta formou-se no mesmo ano que eu, 1994. Ele na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas), eu na Universidade de São Paulo. Não vou deixar de considerá-lo jornalista por conta de seu, digamos, destempero. Mas devo assinalar que, entre 2005 e 2011, ele exerceu o cargo de assessor de imprensa da Secretaria de Segurança Pública. Em julho, segundo ele mesmo, assumiu o cargo de “Editor do Portal e Redes Sociais”. O currículo resumido deste jornalista sem aspas (Alceu Luís Castilho) está aqui.
 
Comecemos pela "acusação" mais simples: a de que eu assisto muitos filmes de 007 - estes, associados a pessoas "babacas". Errado. Duplamente errado. Respeito quem assista. Mas sou fanático por cinema italiano – por Fellini, Vittorio de Sica, Ettore Scola, Irmãos Taviani, Pietro Germi, Elio Petri. Por cinema social, político, psicológico, por filmes "de arte". Gosto muito das cinematografias francesa, iraniana, argentina; do polonês Krzystof Kieslowski, do sueco Ingmar Bergman. De cineastas com um vocabulário mais requintado que o demonstrado pelo assessor.
 

Em seguida há uma confusão entre relatos das fontes e relatos dos jornalistas. Todos os presos, de fato, falam em “cela”. Nenhum falou em “jardim de inverno”. Como não estive nas celas, e nem no tal jardim de inverno, reproduzo os seis relatos que ouvi – unânimes em relação a terem ficado em celas. "Absurdo chamar de jardim", diz Eliete Floripo, uma das presas. "Ficamos 40 minutos no pátio dos fundos da delegacia e depois nos mandaram pras celas." Três celas com privada transbordando, paredes sujas de sangue (no caso dos homens), muito cheiro de fezes e creolina.
 
Sobre Paula ter sido transportada em uma cadeira, por quatro policiais, isto está escrito em texto específico, feito a partir de depoimento da estudante, grávida de seis meses: “Vídeo mostra grávida sendo carregada por policiais, presa, na USP”. A história foi contada antes no seguinte texto: “Estudante grávida está entre 12 presos na USP”. Segundo os estudantes (o que o assessor nega), ela estava sentada no chão e foi arrastada até a cadeira. Este jornalista apoia a divulgação - na íntegra - das imagens da SSP para esclarecer essa e outras questões.

O assessor de imprensa demonstra-se incomodado, também, por eu ter feito perguntas ao porta-voz da PM. De fato, o major fizera várias perguntas sobre quem eu era. Em menos de um minuto mostrou meu blog, no celular, e indagou a outro jornalista: “Você também é do blog?” Eu perguntei, então, por que a Polícia Militar tinha tamanho interesse, em meio à tensão de uma reintegração de posse, em identificar cada jornalista e “relatar” isso para a corporação. Leiam aqui o relato completo desse diálogo: “Major diz que presença do blogueiro será 'relatada'”.
 

Adriano Kirche Moneta trabalhou na Band, na Record. Hoje trabalha para o governo estadual. Como jornalista e como cidadão brasileiro, sou obrigado a lhe pedir um pouco mais de compostura. “Idiota” e “babaca” não são argumentos para justificar ações policiais com excessos mais do que evidentes – entre eles, a prisão, por várias horas, de uma adolescente de 16 anos

Coube a este jornalista independente, aliás, um furo: a única entrevista com a jovem publicada em toda a imprensa. Kirche Moneta estava lá, gravando, e sequer percebeu que uma adolescente tinha sido presa.
 

O secretário de Estado da Segurança Pública chama-se Antonio Ferreira Pinto. Não sei se é exatamente dessa forma que ele quer que a SSP lide com jornalistas.
 

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