Em cartas, indígenas denunciam água barrenta no Xingu e discutem nova Funai
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Esta semana indígenas brasileiros escreveram duas cartas. Ambos com objetivos políticos muito bem definidos – mas não coincidentes. Está em disputa no Brasil a adesão ou não dos povos indígenas aos projetos de desenvolvimento – como as construções de hidrelétricas previstas no PAC (Plano de Aceleração do Crescimento).
Uma das cartas é do cacique José Carlos Arara ao Ministério Público Federal, assinada em Altamira na terça-feira, 17 de janeiro. Ela se insere em um contexto antidesenvolvimentista. Leia aqui a íntegra.
Ele requer providências “urgentes e imediatas para garantir a qualidade da água consumida pela aldeia”, diante das intervenções da Norte Energia no Rio Xingu, para a usina de Belo Monte. Eles utilizam a água do Xingu para beber e cozinhar.
A aldeia é a Terrã-Wangã, da etnia Arara. José Carlos Arara pede o envio de uma equipe para medir a qualidade da água e da construção de poços artesianos em sua aldeia e em mais duas: a Paquiçamba e a Muratu. “Nos preocupamos com nossos parentes Juruna, que também não possuem poços e utilizam a água do Xingu”, diz o cacique.
José Carlos Arara avisa:
- Caso não sejam tomadas providências pelos órgãos competentes, nós, as comunidades indígenas da Volta Grande do Xingu, iremos tomar as providências necessárias para garantir nossos direitos.
O Movimento Xingu Vivo divulgou nesta quarta-feira que movimentos sociais de Altamira, com o apoio de ativistas do OcupaSampa, barraram por uma hora a obra de barramento do Rio Xingu. Eles estenderam uma faixa de 40 metros que dizia: "Belo Monte: aqui tem crime do governo federal".
FUNAI NA MIRA
A outra carta é assinada por cinco indígenas, definidos pelo ex-presidente Mercio Gomes como “intelectuais indígenas”. Trata-se de uma “Proposta de Trabalho para a Próxima Direção da Funai”. Leia aqui, na íntegra. Foi publicada também na terça-feira no blog de Gomes e defende a inserção dos índios nos projetos brasileiros de desenvolvimento.
As cinco lideranças definem as mudanças de dezembro de 2009 na Funai como “surpreendentemente negativas”. Apontam o decreto 7.056, que reestruturou o órgão, como “imposto de cima para baixo, sem nenhuma consulta aos índios”.
Escrawen Sompré, Wilson Mattos da Silva, Azelene Kaingáng, Ubiratan de Souza Maia e Jeremias Xavante afirmam que o decreto “paralisou a Funai, o atendimento aos povos indígenas e fragilizou a segurança das terras indígenas”:
- Não é surpresa que tantas delas estejam invadidas por fazendeiros e posseiros de toda sorte, além de madeireiros e outros aproveitadores.
Os cinco signatários opõem-se a organizações indigenistas e ambientalistas contrárias às obras do PAC. Eles defendem o que chamam de “progresso brasileiro” – e afirmam que os povos indígenas “querem apenas ser parte no processo de desenvolvimento e não ficarem à margem como sempre estiveram”.
Um ponto-chave da posição dessas lideranças está na utilização das palavras “compensações e indenizações”, diante dos empreendimentos em territórios indígenas, como alternativa única para a miséria e pobreza que “deverão se aprofundar cada vez mais nas próximas décadas”.
Eles pedem finalização das demarcações em cursos, uma nova política de regularização territorial, reforço do orçamento para comunidades indígenas, reativação de unidades da Funai (Recife, Curitiba, Altamira), mais acesso dos estudantes indígenas em universidades e convocação da 2ª Conferência Nacional de Política Indigenista.
LEIA MAIS:
Carta de José Carlos Arara ao Ministério Público Federal
Carta de lideranças indígenas à “nova direção da Funai”
Discurso de cacique americano tornou-se referência literária
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jornalismo, geografia, literatura, cinema. Utopia, resistência. 'Indignem-se!' (Stéphane Hessel). 'Nem tudo é sórdido' (Ernesto Sabato - 1911-2011)
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Publicado por
Alceu Castilho, jornalista.
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10:48
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Discurso de cacique americano tornou-se referência literária
As cartas escritas por indígenas costumam não ser somente um grito político. Mas também literário.
Um discurso do Chefe Seattle, de 1854, motivou várias versões – e chegou a ser criada a história (famosa, mas fictícia) de que ele teria enviado uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Francis Pierce.
Mas de fato o cacique fez um discurso tão belo, na linguagem Lushootseed, que um certo “Doutor Smith” traduziu as notas para o inglês – não sem assinalar a perda de qualidade. Confira aqui [em inglês] a versão mais respeitada.
Como não localizei ainda uma tradução fidedigna, peço licença ao leitor para mencionar, ainda em inglês, o início do discurso do Chefe Seattle:
- Yonder sky that was wept tears of compassion upon my people for centuries untold, and which to us appears changeless and eternal, may change. Today is fair. Tomorrow may be overcast with clouds. My words are like the stars that never change.
Segue a tradução desse trecho – com mais uma perda irreparável da poesia original:
- O céu distante, que chorou lágrimas de compaixão por meu povo, durante séculos incalculáveis, e que para nós surge imutável e eterno, pode mudar. Hoje está ensolarado. Amanhã pode estar coberto de nuvens. Minhas palavras são como as estrelas que nunca mudam.
LEIA MAIS:
Carta de José Carlos Arara ao Ministério Público Federal
Carta de lideranças indígenas à “nova direção da Funai”
Em cartas, indígenas denunciam água barrenta no Xingu e discutem nova Funai
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As cartas escritas por indígenas costumam não ser somente um grito político. Mas também literário.
Um discurso do Chefe Seattle, de 1854, motivou várias versões – e chegou a ser criada a história (famosa, mas fictícia) de que ele teria enviado uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Francis Pierce.
Mas de fato o cacique fez um discurso tão belo, na linguagem Lushootseed, que um certo “Doutor Smith” traduziu as notas para o inglês – não sem assinalar a perda de qualidade. Confira aqui [em inglês] a versão mais respeitada.
Como não localizei ainda uma tradução fidedigna, peço licença ao leitor para mencionar, ainda em inglês, o início do discurso do Chefe Seattle:
- Yonder sky that was wept tears of compassion upon my people for centuries untold, and which to us appears changeless and eternal, may change. Today is fair. Tomorrow may be overcast with clouds. My words are like the stars that never change.
Segue a tradução desse trecho – com mais uma perda irreparável da poesia original:
- O céu distante, que chorou lágrimas de compaixão por meu povo, durante séculos incalculáveis, e que para nós surge imutável e eterno, pode mudar. Hoje está ensolarado. Amanhã pode estar coberto de nuvens. Minhas palavras são como as estrelas que nunca mudam.
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Carta de José Carlos Arara ao Ministério Público Federal
Esta carta foi escrita no dia 17 de janeiro por José Carlos Arara, da etnia Arara, cacique da aldeia Terrã-Wangã, e subscrita por pelo menos mais três indígenas. Ele pede providências urgentes para garantir a qualidade da água consumida por seu povo:
"A comunidade indígena da Aldeia Terrã-Wangã, da etnia Arara, Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu, solicita providências em relação às intervenções que a Norte Energia iniciou, em janeiro deste ano, no Rio Xingu, com a construção das ensecadeiras, jogando terra e cascalho no rio. A comunidade indígena está preocupada com a qualidade da água do Rio Xingu, pois não possuímos poço, e utilizamos a água do Xingu para beber e cozinhar. A água já está barrenta e os indígenas já estão ingerindo essa água. As medidas que deveriam ter sido adotadas antes da construção da barragem não foram tomadas, pois o programa básico ambiental (Programa Médio Xingu) ainda não foi aprovado, e não começou a ser implementado. Diante disso, a comunidade indígena Arara da Volta Grande do Xingu requer providências urgentes e imediatas para garantir a qualidade da água e da construção de poços artesianos, tanto na nossa aldeia, como nas aldeias Paquiçamba e Muratu (Terra Indígena Paquiçamba), que também estão localizadas na Volta Grande do Xingu, pois nos preocupamos com nossos parentes Juruna, que também não possuem poços e utilizam a água do Xingu. Caso não sejam tomadas providências pelos órgãos competentes, nós, as comunidades indígenas da Volta Grande do Xingu, iremos tomar as providências necessárias para garantir nosso direitos".
José Carlos Arara, cacique da Aldeia Terrã-Wangã
Luiz Claudio Arara
Josildo Mendes Arara
Adalton Ferreira Arara
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Carta de lideranças indígenas à “nova direção da Funai”
Discurso de cacique americano tornou-se referência literária
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Esta carta foi escrita no dia 17 de janeiro por José Carlos Arara, da etnia Arara, cacique da aldeia Terrã-Wangã, e subscrita por pelo menos mais três indígenas. Ele pede providências urgentes para garantir a qualidade da água consumida por seu povo:
"A comunidade indígena da Aldeia Terrã-Wangã, da etnia Arara, Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu, solicita providências em relação às intervenções que a Norte Energia iniciou, em janeiro deste ano, no Rio Xingu, com a construção das ensecadeiras, jogando terra e cascalho no rio. A comunidade indígena está preocupada com a qualidade da água do Rio Xingu, pois não possuímos poço, e utilizamos a água do Xingu para beber e cozinhar. A água já está barrenta e os indígenas já estão ingerindo essa água. As medidas que deveriam ter sido adotadas antes da construção da barragem não foram tomadas, pois o programa básico ambiental (Programa Médio Xingu) ainda não foi aprovado, e não começou a ser implementado. Diante disso, a comunidade indígena Arara da Volta Grande do Xingu requer providências urgentes e imediatas para garantir a qualidade da água e da construção de poços artesianos, tanto na nossa aldeia, como nas aldeias Paquiçamba e Muratu (Terra Indígena Paquiçamba), que também estão localizadas na Volta Grande do Xingu, pois nos preocupamos com nossos parentes Juruna, que também não possuem poços e utilizam a água do Xingu. Caso não sejam tomadas providências pelos órgãos competentes, nós, as comunidades indígenas da Volta Grande do Xingu, iremos tomar as providências necessárias para garantir nosso direitos".
José Carlos Arara, cacique da Aldeia Terrã-Wangã
Luiz Claudio Arara
Josildo Mendes Arara
Adalton Ferreira Arara
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Discurso de cacique americano tornou-se referência literária
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Carta de lideranças indígenas à "nova direção da Funai"
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Uma carta escrita por cinco lideranças indígenas foi publicada, no dia 17 de janeiro, no blog de Mércio Gomes, ex-presidente da Funai. Ela é intitulada "Proposta de Trabalho para a Próxima Direção da Funai".
É que muitos líderes - como Marcos Terena - dão como certa a queda do presidente da fundação, Márcio Meira. A Funai (Fundação Nacional do Índio) não respondeu ao blog pergunta sobre esses rumores.
Independentemente das disputas políticas (Márcio x Mércio), o documento é importante por mostrar que há divisão no movimento indígena em relação às obras do PAC. Uns querem compensações (entre eles a Fundação Villas Bôas); outros, como esta carta mostra, rejeitam essa visão de crescimento e desenvolvimento.
Segue o documento das lideranças, definidas por Mércio Gomes como "intelectuais indígenas":
"PROPOSTA DE TRABALHO PARA A PRÓXIMA DIREÇÃO DA FUNAI:
A presente proposta foi elaborada pelos técnicos indígenas listados a seguir e apoiada por muitas lideranças indígenas de raiz e Organizações indígenas tradicionais:
-Escrawen Sompré – Povo Indígena Xerente/TO, Engenheiro Florestal, especialista em Gestão Ambiental e Ordenamento territorial;
-Wilson Mattos da Silva – Povo Indígena Kaiwoá/Terena/MS, Advogado Criminalista, especialista em Direito Constitucional;
- Azelene Kaingáng – Povo Indígena Kaingáng/SC, Socióloga, Mestranda em Políticas Sociais;
-Ubiratan de Souza Maia – Povo Indígena Wapichana/RR, Advogado;
-Jeremias Xavante – Parlamentar Indígena Xavante/MT;
A Fundação Nacional do Índio, após sua reestruturação através da edição do Decreto 7.056 de 29 de dezembro de 2009, passou por profundas mudanças institucionais e conceituais que desencadearam a necessidade de redefinir a relação do Estado Brasileiro com os Povos Indígenas. Foram mudanças surpreendentemente negativas e que vigoram até hoje.
Em primeiro lugar, o Decreto foi imposto de cima para baixo, sem nenhuma consulta aos índios, algo que chocou a todos. O Decreto extinguiu todos os postos indígenas e diversas unidades administrativas estratégicas para os povos indígenas, tais como, Altamira, onde se constrói a UHE Belo Monte, Oiapoque, na fronteira com a Guiana, Porto Velho, onde se constroem as Usinas Santo Antonio e Jirau, Recife, Curitiba, São Luís, Goiânia e dez outras mais. O Decreto, enfim, paralisou a FUNAI, o atendimento aos povos indígenas e fragilizou a segurança das terras indígenas. Não é surpresa que tantas delas estejam invadidas por fazendeiros e posseiros de toda sorte, além de madeireiros e outros aproveitadores.
Tal quadro revela a urgente obrigação dos Povos Indígenas do Brasil e do Estado brasileiro em procurar conciliar seus interesses, a fim de que se possa definitivamente efetivar o desenvolvimento sem conflitos, onde índios, Estado e empreendedores possam estabelecer um diálogo negociador, em observação ao disposto no artigo 6º da Convenção 169/OIT, que não é nada mais do que ambos entrarem em acordo.
Que fique bem claro: os índios não estão contra o progresso brasileiro. O que tem ocorrido atualmente é que algumas organizações indigenistas e ambientalistas têm se aproveitado do fato de que o Estado não estabeleceu este diálogo com os Povos Indígenas para afirmarem, em nome dos índios, que estes são contrários ao estabelecimento de obras importantes do PAC em territórios indígenas, quando na verdade os Povos Indígenas querem apenas ser parte no processo de desenvolvimento e não ficarem a margem como sempre estiveram.
Neste sentido, as compensações e indenizações oriundas dos empreendimentos em territórios indígenas podem e devem ser aplicadas em programas e projetos que ajudem os Povos Indígenas a saírem da subsistência e sobrevivência e passarem para a conquista definitiva de sua autonomia com qualidade de vida. Não existe outra alternativa: ou se investe no desenvolvimento econômico dos territórios, com o aproveitamento de seus recursos naturais, criando cooperativas agrícolas e minerárias indígenas e de outras categorias, de acordo com as especificidades e grau de contato de cada Povo Indígena, e com o consentimento prévio dos mesmos, ou a miséria e a pobreza extrema que afetam a maioria dos Povos Indígenas deverão se aprofundar cada vez mais nas próximas décadas.
Assim sendo, técnicos Indígenas e líderes de raiz dos Povos Indígenas Kayapó, Xavante, Gavião, Kaingáng, Wapichana, Pareci e Xucuru, preocupados com a atual situação da FUNAI, que já não dá conta de fazer a interlocução dos Povos Indígenas com o governo, propõe nesse momento políticas sociais, medidas e parcerias inclusive com estados e municípios, no sentido de construir a seguinte agenda de trabalho:
1- Que as demarcações em curso se finalizem, e pelos próximos cinco anos se avalie e se proponha, com a participação plena dos Povos Indígenas, uma nova política de regularização e garantias territoriais;
2- Que o orçamento do Governo federal para as comunidades indígenas seja reforçado a fim de garantir a estruturação dos territórios e a organização das comunidades em cooperativas indígenas para impulsarem o desenvolvimento econômico dos Povos Indígenas;
3- Que sejam reativadas as Unidades da FUNAI em Recife, Curitiba, Altamira e outras que são estratégicas para que o governo esteja mais próximo às comunidades indígenas com unidades gestoras;
4- Reformular e propor programas de acesso e permanência de estudantes indígenas em Universidades;
5- Que se regulamente o artigo 6º da Convenção 169 da OIT;
6- Que se convoque a 2ª Conferência Nacional de Política Indigenista.
Esperamos o apoio de autoridades, amigos e simpatizantes da causa indígena que nos ajudem sensibilizar o governo da Presidenta Dilma Rousseff. Precisamos levar nossa causa aos Ministérios da Justiça e da Casa Civil a fim de que, como técnicos e líderes indígenas de raiz, possamos levar esta proposta ao governo federal".
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Uma carta escrita por cinco lideranças indígenas foi publicada, no dia 17 de janeiro, no blog de Mércio Gomes, ex-presidente da Funai. Ela é intitulada "Proposta de Trabalho para a Próxima Direção da Funai".
É que muitos líderes - como Marcos Terena - dão como certa a queda do presidente da fundação, Márcio Meira. A Funai (Fundação Nacional do Índio) não respondeu ao blog pergunta sobre esses rumores.
Independentemente das disputas políticas (Márcio x Mércio), o documento é importante por mostrar que há divisão no movimento indígena em relação às obras do PAC. Uns querem compensações (entre eles a Fundação Villas Bôas); outros, como esta carta mostra, rejeitam essa visão de crescimento e desenvolvimento.
Segue o documento das lideranças, definidas por Mércio Gomes como "intelectuais indígenas":
"PROPOSTA DE TRABALHO PARA A PRÓXIMA DIREÇÃO DA FUNAI:
A presente proposta foi elaborada pelos técnicos indígenas listados a seguir e apoiada por muitas lideranças indígenas de raiz e Organizações indígenas tradicionais:
-Escrawen Sompré – Povo Indígena Xerente/TO, Engenheiro Florestal, especialista em Gestão Ambiental e Ordenamento territorial;
-Wilson Mattos da Silva – Povo Indígena Kaiwoá/Terena/MS, Advogado Criminalista, especialista em Direito Constitucional;
- Azelene Kaingáng – Povo Indígena Kaingáng/SC, Socióloga, Mestranda em Políticas Sociais;
-Ubiratan de Souza Maia – Povo Indígena Wapichana/RR, Advogado;
-Jeremias Xavante – Parlamentar Indígena Xavante/MT;
A Fundação Nacional do Índio, após sua reestruturação através da edição do Decreto 7.056 de 29 de dezembro de 2009, passou por profundas mudanças institucionais e conceituais que desencadearam a necessidade de redefinir a relação do Estado Brasileiro com os Povos Indígenas. Foram mudanças surpreendentemente negativas e que vigoram até hoje.
Em primeiro lugar, o Decreto foi imposto de cima para baixo, sem nenhuma consulta aos índios, algo que chocou a todos. O Decreto extinguiu todos os postos indígenas e diversas unidades administrativas estratégicas para os povos indígenas, tais como, Altamira, onde se constrói a UHE Belo Monte, Oiapoque, na fronteira com a Guiana, Porto Velho, onde se constroem as Usinas Santo Antonio e Jirau, Recife, Curitiba, São Luís, Goiânia e dez outras mais. O Decreto, enfim, paralisou a FUNAI, o atendimento aos povos indígenas e fragilizou a segurança das terras indígenas. Não é surpresa que tantas delas estejam invadidas por fazendeiros e posseiros de toda sorte, além de madeireiros e outros aproveitadores.
Tal quadro revela a urgente obrigação dos Povos Indígenas do Brasil e do Estado brasileiro em procurar conciliar seus interesses, a fim de que se possa definitivamente efetivar o desenvolvimento sem conflitos, onde índios, Estado e empreendedores possam estabelecer um diálogo negociador, em observação ao disposto no artigo 6º da Convenção 169/OIT, que não é nada mais do que ambos entrarem em acordo.
Que fique bem claro: os índios não estão contra o progresso brasileiro. O que tem ocorrido atualmente é que algumas organizações indigenistas e ambientalistas têm se aproveitado do fato de que o Estado não estabeleceu este diálogo com os Povos Indígenas para afirmarem, em nome dos índios, que estes são contrários ao estabelecimento de obras importantes do PAC em territórios indígenas, quando na verdade os Povos Indígenas querem apenas ser parte no processo de desenvolvimento e não ficarem a margem como sempre estiveram.
Neste sentido, as compensações e indenizações oriundas dos empreendimentos em territórios indígenas podem e devem ser aplicadas em programas e projetos que ajudem os Povos Indígenas a saírem da subsistência e sobrevivência e passarem para a conquista definitiva de sua autonomia com qualidade de vida. Não existe outra alternativa: ou se investe no desenvolvimento econômico dos territórios, com o aproveitamento de seus recursos naturais, criando cooperativas agrícolas e minerárias indígenas e de outras categorias, de acordo com as especificidades e grau de contato de cada Povo Indígena, e com o consentimento prévio dos mesmos, ou a miséria e a pobreza extrema que afetam a maioria dos Povos Indígenas deverão se aprofundar cada vez mais nas próximas décadas.
Assim sendo, técnicos Indígenas e líderes de raiz dos Povos Indígenas Kayapó, Xavante, Gavião, Kaingáng, Wapichana, Pareci e Xucuru, preocupados com a atual situação da FUNAI, que já não dá conta de fazer a interlocução dos Povos Indígenas com o governo, propõe nesse momento políticas sociais, medidas e parcerias inclusive com estados e municípios, no sentido de construir a seguinte agenda de trabalho:
1- Que as demarcações em curso se finalizem, e pelos próximos cinco anos se avalie e se proponha, com a participação plena dos Povos Indígenas, uma nova política de regularização e garantias territoriais;
2- Que o orçamento do Governo federal para as comunidades indígenas seja reforçado a fim de garantir a estruturação dos territórios e a organização das comunidades em cooperativas indígenas para impulsarem o desenvolvimento econômico dos Povos Indígenas;
3- Que sejam reativadas as Unidades da FUNAI em Recife, Curitiba, Altamira e outras que são estratégicas para que o governo esteja mais próximo às comunidades indígenas com unidades gestoras;
4- Reformular e propor programas de acesso e permanência de estudantes indígenas em Universidades;
5- Que se regulamente o artigo 6º da Convenção 169 da OIT;
6- Que se convoque a 2ª Conferência Nacional de Política Indigenista.
Esperamos o apoio de autoridades, amigos e simpatizantes da causa indígena que nos ajudem sensibilizar o governo da Presidenta Dilma Rousseff. Precisamos levar nossa causa aos Ministérios da Justiça e da Casa Civil a fim de que, como técnicos e líderes indígenas de raiz, possamos levar esta proposta ao governo federal".
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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
“Cinicolândia” ajuda a entender o que acontece em São José dos Campos
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Cunhei o termo Cinicolândia para me referir à disputa – eleitoral – entre políticos, à margem de interesses republicanos. Isto foi na segunda-feira, diante das informações, pela Folha, de que Gilberto Kassab (PSD) e Geraldo Alckmin (PSDB) optaram pela abordagem policialesca dos dependentes de drogas em São Paulo, diante de uma possível iniciativa do governo federal na região da Cracolândia. Foi uma reação a um plano esboçado por Dilma Rousseff e Alexandre Padilha (PT) – este um virtual candidato ao governo estadual, em 2014.
Mas a palavra se encaixa perfeitamente bem no caso da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos. Mudam as circunstâncias e os personagens – à exceção de um, o chefe-mor da polícia paulista. A prefeitura de São José dos Campos, de um certo Eduardo Cury (PSDB), e o governo estadual poderiam ter desapropriado a área onde vivem 2 mil famílias. Não o fizeram. Diante de aceno do governo federal no sentido de uma solução para o caso, Cury e Alckmin fazem de conta que o problema não é com eles.
A consequência dessa “omissão” pode ser um massacre. O bairro do Pinheirinho é a maior ocupação organizada do País. E os moradores estão armados (com capacetes, cacetetes, cachorros etc) para enfrentar a Tropa de Choque. Não se trata de improviso: eles têm avisado a opinião pública nacional desse “conflito do século” pelo menos desde o dia 8 de dezembro, quando vários movimentos de sem-teto e sem-terra reuniram-se no vão livre do Masp, em São Paulo.
Se o PSD e os tucanos mostram-se absolutamente indefensáveis nos dois casos, há alguma nuance em relação ao governo federal. No caso da Cracolândia, a ação paranóica (e eleitoreira) da dupla Kassab e Alckmin, ao arrepio do que se estuda em saúde e assistência social, não foi desafiada pelo governo Dilma – que está assistindo a tudo de camarote, como se não estivéssemos presenciando a uma das mais escandalosas violações de direitos humanos, no Brasil, pelo próprio aparato estatal.
No caso de São José dos Campos é possível reconhecer, pontualmente, que as iniciativas federais – e de alguns membros do PT - possam contribuir para uma solução momentânea, para evitar o pior. Mas a Cinicolândia não deixará de existir por isso. Direito à moradia e à terra seguem ignorados no Brasil. E especuladores (como o investidor Naji Nahas, dono do terreno ocupado em São José) ganham todas as atenções dos gabinetes – tomam seus cafezinhos com os poderosos e, em muitos casos, financiam suas campanhas.
Reconhecer (e eventualmente aplaudir) alguma intervenção do governo federal nessa questão social em São Paulo não mudará o fato de que toda a Cinicolândia tem esquecido – por sua própria definição, aliás – de priorizar os direitos dos espoliados. Dos sem-teto, sem-terra, moradores de rua, povos indígenas etc. No Xingu os índios já reclamam que a água que bebem está barrenta, por conta da usina de Belo Monte. A reforma agrária não anda. Analfabetos seguem analfabetos. Não há combate efetivo à exploração sexual. E assim por diante.
Os temas estão conjugados. Basta pensar no direito das crianças e adolescentes. Política do Tribunal de Justiça de São Paulo em relação a crianças dependentes de crack, na região central de São Paulo, foi desmontada pela ação tresloucada de Alckmin-Kassab. Crianças indígenas morrem, por falta de saúde ou à bala, do Mato Grosso do Sul ao Maranhão. Outras seguem à mercê dos abusadores e exploradores sexuais – muito além da indignação episódica em tempos de Big Brother.
É nesse contexto que o Pinheirinho deve ser pensado. A resistência dos moradores é a mesmíssima resistência dos povos indígenas do Xingu. A lei, como mostrou no fim de semana o cientista político Carlos Novaes na TV Cultura, é perversa. A lei e suas interpretações sempre a favor dos poderosos. Basta lembrar que a “empresa” de Naji Nahas nunca pagou IPTU à prefeitura de São José dos Campos. Cada brasileiro pode deixar de pagar esse imposto sem consequências? Se não pode é porque há desigualdade, uns são mais iguais que outros – em outras palavras, as políticas são cínicas.
E que não se invertam as responsabilidades. Em São José dos Campos, a integridade física de crianças, mulheres e idosos (todos em vigília nos últimos dias, sob tortura psicológica) está em perigo. Quando a população questiona a aplicação perversa de determinadas leis e políticas em momentos-chave estamos longe de viver um quadro “revolucionário”.
É apenas um aviso de que a sociedade civil organizada ainda respira.
LEIA MAIS:
“Cinicolândia” definiu rumos da política para dependentes de crack em SP
A trapalhada de Kassab e a implosão parcial da vergonha política
Governo só gastou 33% dos recursos para proteção de indígenas
“Eles estão certos em resistir à lei”, diz Carlos Novaes
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por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Cunhei o termo Cinicolândia para me referir à disputa – eleitoral – entre políticos, à margem de interesses republicanos. Isto foi na segunda-feira, diante das informações, pela Folha, de que Gilberto Kassab (PSD) e Geraldo Alckmin (PSDB) optaram pela abordagem policialesca dos dependentes de drogas em São Paulo, diante de uma possível iniciativa do governo federal na região da Cracolândia. Foi uma reação a um plano esboçado por Dilma Rousseff e Alexandre Padilha (PT) – este um virtual candidato ao governo estadual, em 2014.
Mas a palavra se encaixa perfeitamente bem no caso da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos. Mudam as circunstâncias e os personagens – à exceção de um, o chefe-mor da polícia paulista. A prefeitura de São José dos Campos, de um certo Eduardo Cury (PSDB), e o governo estadual poderiam ter desapropriado a área onde vivem 2 mil famílias. Não o fizeram. Diante de aceno do governo federal no sentido de uma solução para o caso, Cury e Alckmin fazem de conta que o problema não é com eles.
A consequência dessa “omissão” pode ser um massacre. O bairro do Pinheirinho é a maior ocupação organizada do País. E os moradores estão armados (com capacetes, cacetetes, cachorros etc) para enfrentar a Tropa de Choque. Não se trata de improviso: eles têm avisado a opinião pública nacional desse “conflito do século” pelo menos desde o dia 8 de dezembro, quando vários movimentos de sem-teto e sem-terra reuniram-se no vão livre do Masp, em São Paulo.
Se o PSD e os tucanos mostram-se absolutamente indefensáveis nos dois casos, há alguma nuance em relação ao governo federal. No caso da Cracolândia, a ação paranóica (e eleitoreira) da dupla Kassab e Alckmin, ao arrepio do que se estuda em saúde e assistência social, não foi desafiada pelo governo Dilma – que está assistindo a tudo de camarote, como se não estivéssemos presenciando a uma das mais escandalosas violações de direitos humanos, no Brasil, pelo próprio aparato estatal.
No caso de São José dos Campos é possível reconhecer, pontualmente, que as iniciativas federais – e de alguns membros do PT - possam contribuir para uma solução momentânea, para evitar o pior. Mas a Cinicolândia não deixará de existir por isso. Direito à moradia e à terra seguem ignorados no Brasil. E especuladores (como o investidor Naji Nahas, dono do terreno ocupado em São José) ganham todas as atenções dos gabinetes – tomam seus cafezinhos com os poderosos e, em muitos casos, financiam suas campanhas.
Reconhecer (e eventualmente aplaudir) alguma intervenção do governo federal nessa questão social em São Paulo não mudará o fato de que toda a Cinicolândia tem esquecido – por sua própria definição, aliás – de priorizar os direitos dos espoliados. Dos sem-teto, sem-terra, moradores de rua, povos indígenas etc. No Xingu os índios já reclamam que a água que bebem está barrenta, por conta da usina de Belo Monte. A reforma agrária não anda. Analfabetos seguem analfabetos. Não há combate efetivo à exploração sexual. E assim por diante.
Os temas estão conjugados. Basta pensar no direito das crianças e adolescentes. Política do Tribunal de Justiça de São Paulo em relação a crianças dependentes de crack, na região central de São Paulo, foi desmontada pela ação tresloucada de Alckmin-Kassab. Crianças indígenas morrem, por falta de saúde ou à bala, do Mato Grosso do Sul ao Maranhão. Outras seguem à mercê dos abusadores e exploradores sexuais – muito além da indignação episódica em tempos de Big Brother.
É nesse contexto que o Pinheirinho deve ser pensado. A resistência dos moradores é a mesmíssima resistência dos povos indígenas do Xingu. A lei, como mostrou no fim de semana o cientista político Carlos Novaes na TV Cultura, é perversa. A lei e suas interpretações sempre a favor dos poderosos. Basta lembrar que a “empresa” de Naji Nahas nunca pagou IPTU à prefeitura de São José dos Campos. Cada brasileiro pode deixar de pagar esse imposto sem consequências? Se não pode é porque há desigualdade, uns são mais iguais que outros – em outras palavras, as políticas são cínicas.
E que não se invertam as responsabilidades. Em São José dos Campos, a integridade física de crianças, mulheres e idosos (todos em vigília nos últimos dias, sob tortura psicológica) está em perigo. Quando a população questiona a aplicação perversa de determinadas leis e políticas em momentos-chave estamos longe de viver um quadro “revolucionário”.
É apenas um aviso de que a sociedade civil organizada ainda respira.
LEIA MAIS:
“Cinicolândia” definiu rumos da política para dependentes de crack em SP
A trapalhada de Kassab e a implosão parcial da vergonha política
Governo só gastou 33% dos recursos para proteção de indígenas
“Eles estão certos em resistir à lei”, diz Carlos Novaes
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Alceu Castilho, jornalista.
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terça-feira, 17 de janeiro de 2012
“Transmissão solidária” sugere novo modelo de comunicação popular
Os moradores da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, organizaram nos últimos dias um blog (o Solidariedade Pinheirinho) e um perfil no Twitter chamados de “cobertura solidária”. Na manhã desta terça-feira, diante da decisão da Justiça Federal que suspendeu a reintegração de posse, as principais informações sobre a festa dos moradores foram transmitidas por rádio.
A “transmissão solidária” registrou a comemoração dos moradores, que tomaram faixas de uma avenida região. As pessoas dançavam forró, subiam em árvores e agitavam bandeiras. “Hoje é feriado no Pinheirinho, é feriado em São José dos Campos”, disse o locutor. “Aqueles que jogavam panfleto contra a ocupação perderam”.
Ele se refere aos panfletos jogados por helicóptero, ontem, pela Polícia Militar. “Ao invés de uma desocupação truculenta, o que temos aqui é uma grande vitória”, afirmou o porta-voz. “Graças à decisão de uma juíza federal que leva em conta vidas humanas”.
O locutor agradeceu os emails e tweets de solidariedade “de todo o Brasil”. "O Twitter bombou durante a vigília", assinalou o líder sindical Mancha. Foram quase 800 seguidores em um dia. A transmissão em rádio chegou a ser definida na internet como "30 minutos de emoção".
Outro diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do município, Herbert Claros da Silva, rebateu as acusações de que os moradores do Pinheirinho tinham queimado um ônibus durante a noite. “Quem queimou o ônibus foi a polícia”, disse. “Pessoas que estavam no ônibus contaram que o cabelo de quem queimou era curtinho, cabelo de militar”.
Uma das informações passadas pela “transmissão solidária” foi a de que a gleba da Ocupação Pinheirinho estaria avaliada em R$ 200 milhões – e que a especulação imobiliária seria o motivo da decisão de desocupar o terreno, pertencente a uma empresa do investidor Naji Nahas.
Ao fundo da locução ouvem-se o rumor da festa dos moradores, cornetas. “O povo quer paz”, declarou o deputado estadual Adriano Diogo (PT). “Quer trabalhar, viver, criar seus filhos. Iam fazer um arregaço, uma carnificina, um banho de sangue. Para quê? Olha o povo aí, pacífico”.
Diante do silêncio da mídia tradicional, o que está surgindo no Brasil é um novo modelo de comunicação relativo às demandas populares. Ele passa hoje pela mobilização nas redes sociais, à margem do que sai na grande imprensa. A “transmissão solidária”, ligada aos moradores e ao Sindicato dos Metalúrgicos, com tempo real pelo Twitter, dá algumas pistas do que pode vir por aí.
Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
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Mídia ignora madrugada histórica em São José dos Campos
"Eles estão certos em resistir à lei, diz Carlos Novaes
Sem-teto temem "conflito do século" em São José dos Campos
Sem-teto e "com vida": um manifesto
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Os moradores da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, organizaram nos últimos dias um blog (o Solidariedade Pinheirinho) e um perfil no Twitter chamados de “cobertura solidária”. Na manhã desta terça-feira, diante da decisão da Justiça Federal que suspendeu a reintegração de posse, as principais informações sobre a festa dos moradores foram transmitidas por rádio.
A “transmissão solidária” registrou a comemoração dos moradores, que tomaram faixas de uma avenida região. As pessoas dançavam forró, subiam em árvores e agitavam bandeiras. “Hoje é feriado no Pinheirinho, é feriado em São José dos Campos”, disse o locutor. “Aqueles que jogavam panfleto contra a ocupação perderam”.
Ele se refere aos panfletos jogados por helicóptero, ontem, pela Polícia Militar. “Ao invés de uma desocupação truculenta, o que temos aqui é uma grande vitória”, afirmou o porta-voz. “Graças à decisão de uma juíza federal que leva em conta vidas humanas”.
O locutor agradeceu os emails e tweets de solidariedade “de todo o Brasil”. "O Twitter bombou durante a vigília", assinalou o líder sindical Mancha. Foram quase 800 seguidores em um dia. A transmissão em rádio chegou a ser definida na internet como "30 minutos de emoção".
Outro diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do município, Herbert Claros da Silva, rebateu as acusações de que os moradores do Pinheirinho tinham queimado um ônibus durante a noite. “Quem queimou o ônibus foi a polícia”, disse. “Pessoas que estavam no ônibus contaram que o cabelo de quem queimou era curtinho, cabelo de militar”.
Uma das informações passadas pela “transmissão solidária” foi a de que a gleba da Ocupação Pinheirinho estaria avaliada em R$ 200 milhões – e que a especulação imobiliária seria o motivo da decisão de desocupar o terreno, pertencente a uma empresa do investidor Naji Nahas.
Ao fundo da locução ouvem-se o rumor da festa dos moradores, cornetas. “O povo quer paz”, declarou o deputado estadual Adriano Diogo (PT). “Quer trabalhar, viver, criar seus filhos. Iam fazer um arregaço, uma carnificina, um banho de sangue. Para quê? Olha o povo aí, pacífico”.
Diante do silêncio da mídia tradicional, o que está surgindo no Brasil é um novo modelo de comunicação relativo às demandas populares. Ele passa hoje pela mobilização nas redes sociais, à margem do que sai na grande imprensa. A “transmissão solidária”, ligada aos moradores e ao Sindicato dos Metalúrgicos, com tempo real pelo Twitter, dá algumas pistas do que pode vir por aí.
Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
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Mídia ignora madrugada histórica em São José dos Campos
por ALCEU LUÍS CASTILHO(@alceucastilho)
Quase 10 mil brasileiros passaram a noite sob absoluta tensão: a PM ocupou as ruas ao redor da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos. A entrada de 1.800 policiais da Tropa de Choque - com cavalaria e canil - era iminente. Os moradores estavam armados para o que chamaram de “conflito do século” e prometiam resistir: com capacetes, escudos e armamentos improvisados. Com “sangue pelo sangue”.
Um ônibus foi incendiado por volta da meia-noite. A culpa, atribuída aos sem-teto – que, por sua vez, culparam a própria polícia. Dezenas de milhares de pessoas acompanhavam pelas redes sociais (Twitter e Facebook à frente), apreensivas, o desfecho da situação. Os moradores estavam acuados.
Mas a maior parte da mídia brasileira ignorou solenemente todo esse quadro. Toda a descrição acima esteve fora dos principais portais durante a noite e madrugada – mais preocupados com o navio italiano naufragado.
O episódio mostra o naufrágio da mídia tradicional brasileira. Ela foi capaz de subestimar um dos grandes conflitos do século - impedido apenas nos últimos minutos possíveis por uma liminar emitida pela Justiça Federal. Assim como ignorou a festa de rua dos moradores, após a decisão.
Por muitíssimo pouco o Brasil não amanheceu o dia 17 de janeiro com 2 mil famílias (mais de 4 mil mulheres, quase 3 mil crianças) agredidas por uma polícia que não tem poupado ninguém nos últimos tempos – dos dependentes de crack e moradores de rua da Cracolândia a estudantes em greve da USP.
É hora do país refletir sobre a concessão dos meios de comunicação eletrônicos. E dos jornalistas refletirem definitivamente sobre sua função atual na sociedade. Como é possível jornais e jornalistas ignorarem a principal notícia do ano?
No máximo alguns veículos (Rede Globo, SBT, G1) divulgaram durante a madrugada a notícia do ônibus queimado. E de forma acrítica, aliás, pois o incêndio foi para lá de esquisito – com direito a vizinhos afirmarem que fora mesmo uma armação da polícia. (Veja aqui a versão dos moradores, conforme uma rádio do próprio movimento.)
A imagem da “justiça cega” – principalmente aos interesses populares – ainda tem muita força no imaginário popular. Nesta noite, ao menos por alguns dias, o Brasil foi salvo de um banho de sangue por uma decisão judicial – tardia, mas de efeitos extraordinários.
Há muito o que se discutir. Que nesta trégua dada aos moradores do Pinheirinho os políticos e a sociedade civil organizada discutam agora o direito à moradia, a desigualdade, as violências policiais, a prioridade dada aos especuladores em detrimento de populações inteiras. (Basta assinalar que a rádio dos moradores diz que a gleba estaria avaliada em R$ 200 milhões e seria utilizada para um condomínio de luxo.)
Mas que o país coloque também em pauta a existência e os efeitos de uma imprensa cega.
PS: Este texto foi postado inicialmente às 6h46. Pela manhã os portais começaram a postar notícias sobre o tema - atenuando a distração observada na cobertura em tempo real. Segue link para a matéria do Estadão; outro para a do G1; aqui a do Terra; após as 11 horas saiu a do UOL.
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Quase 10 mil brasileiros passaram a noite sob absoluta tensão: a PM ocupou as ruas ao redor da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos. A entrada de 1.800 policiais da Tropa de Choque - com cavalaria e canil - era iminente. Os moradores estavam armados para o que chamaram de “conflito do século” e prometiam resistir: com capacetes, escudos e armamentos improvisados. Com “sangue pelo sangue”.
Um ônibus foi incendiado por volta da meia-noite. A culpa, atribuída aos sem-teto – que, por sua vez, culparam a própria polícia. Dezenas de milhares de pessoas acompanhavam pelas redes sociais (Twitter e Facebook à frente), apreensivas, o desfecho da situação. Os moradores estavam acuados.
Mas a maior parte da mídia brasileira ignorou solenemente todo esse quadro. Toda a descrição acima esteve fora dos principais portais durante a noite e madrugada – mais preocupados com o navio italiano naufragado.
O episódio mostra o naufrágio da mídia tradicional brasileira. Ela foi capaz de subestimar um dos grandes conflitos do século - impedido apenas nos últimos minutos possíveis por uma liminar emitida pela Justiça Federal. Assim como ignorou a festa de rua dos moradores, após a decisão.
Por muitíssimo pouco o Brasil não amanheceu o dia 17 de janeiro com 2 mil famílias (mais de 4 mil mulheres, quase 3 mil crianças) agredidas por uma polícia que não tem poupado ninguém nos últimos tempos – dos dependentes de crack e moradores de rua da Cracolândia a estudantes em greve da USP.
É hora do país refletir sobre a concessão dos meios de comunicação eletrônicos. E dos jornalistas refletirem definitivamente sobre sua função atual na sociedade. Como é possível jornais e jornalistas ignorarem a principal notícia do ano?
No máximo alguns veículos (Rede Globo, SBT, G1) divulgaram durante a madrugada a notícia do ônibus queimado. E de forma acrítica, aliás, pois o incêndio foi para lá de esquisito – com direito a vizinhos afirmarem que fora mesmo uma armação da polícia. (Veja aqui a versão dos moradores, conforme uma rádio do próprio movimento.)
A imagem da “justiça cega” – principalmente aos interesses populares – ainda tem muita força no imaginário popular. Nesta noite, ao menos por alguns dias, o Brasil foi salvo de um banho de sangue por uma decisão judicial – tardia, mas de efeitos extraordinários.
Há muito o que se discutir. Que nesta trégua dada aos moradores do Pinheirinho os políticos e a sociedade civil organizada discutam agora o direito à moradia, a desigualdade, as violências policiais, a prioridade dada aos especuladores em detrimento de populações inteiras. (Basta assinalar que a rádio dos moradores diz que a gleba estaria avaliada em R$ 200 milhões e seria utilizada para um condomínio de luxo.)
Mas que o país coloque também em pauta a existência e os efeitos de uma imprensa cega.
PS: Este texto foi postado inicialmente às 6h46. Pela manhã os portais começaram a postar notícias sobre o tema - atenuando a distração observada na cobertura em tempo real. Segue link para a matéria do Estadão; outro para a do G1; aqui a do Terra; após as 11 horas saiu a do UOL.
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