Globo afirma catolicismo acrítico como seu nicho de mercado
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Os
apresentadores da Globo sorriem o tempo todo ao falar do papa. Aquele
sorriso condescendente, como se todos concordassem com a santidade do
líder religioso. É uma simpatia incondicional, acrítica. Adesão,
teatralizada, e não jornalismo. Difícil definir qual deles é o mais
subserviente. Sandra Annenberg, no jornal Hoje, até balança a cabeça de
tanto sorrir. Nada de tão diferente nos demais programas. Apresentadores
e repórteres consideram-se enviados especiais ao paraíso. Um deles
imaginou-se, no mesmo jornal vespertino, em pleno Vaticano.
“Parece a Praça São Pedro!” – deslumbrava-se.
Não é só pelo
tempo da cobertura, portanto, que a Globo afirma os católicos – ainda
maioria no Brasil - como seu nicho principal de mercado. Pois é disso
que se trata. De uma estratégia com matriz comercial, de olho nos
números, de olho na tomada das outras emissoras por programas
evangélicos. Isto para não falar da Record, da Igreja Universal. (A
Band joga para os dois públicos. Um repórter dessa emissora chegou a
pedir bênção, no avião que trouxe o pontífice para o Brasil, de uma
maneira reverente ao extremo. Um comportamento de fiel especialmente
fanático, não de um repórter.)
Não se trata de pacto com
qualquer catolicismo. Este tem suas contradições. O catolicismo
progressista - aquele que defende índios e camponeses, por exemplo –
fica de fora desse script. A emissora não está enviando repórteres para
celebrar os padres e bispos que defendem os excluídos, os moradores de
rua. Não falará dos padres que foram assassinados por se posicionarem
firmemente em relação aos conflitos no campo. Não teremos Comissão
Pastoral da Terra e Conselho Indigenista Missionário no noticiário.
Esse
pseudojornalismo em plena afirmação - um jornalismo de hóstia - tenderá
a migrar para o restante do noticiário. A partir do momento que a Globo assuma com mais ênfase os
valores desse setor do catolicismo. De um papa simpático, que coloca os
pobres em pauta (o que tem seu mérito), mas sem vilões, sem opressores.
Pobres sem uma história econômica por trás, um sistema produtivo que os
prevê, que deles se utiliza para enriquecer uma minoria. “Pobres”,
inclusive, com esse termo apenas. E não “trabalhadores”, camponeses,
protagonistas.
Ou seja, esse jornalismo tenderá a ser ainda mais
alienado e com horror a conflitos. Veremos um acirramento da
tradicional varrida desses conflitos para debaixo do tapete. A violência
policial seguirá não sendo tomada como deveria ser: como uma ação do
Estado para preservar a propriedade privada e seus pactos com as elites
econômicas. A violência social (reduzida à violência nas favelas, nas
comunidades) não será discutida à luz da história da desigualdade. Os violentos seguirão retratados como se fossem uma espécie de demônios.
Isso
vale para a cobertura dos protestos de rua. "Vândalos e
baderneiros" encaixam-se nessa narrativa desconectada da história, como
se os manifestantes mais revoltados fossem uma expressão diabólica. (Leia aqui: "As elites vândalas, a imprensa baderneira e os policiais bandidos".) Como é possível
compatibilizar uma cobertura sorridente do papa com a crítica à foto do
pontífice com policiais do Bope?
Essa lógica vale também para a cobertura de questão
agrária, da questão indígena, da questão ambiental. A marcha inexorável dos
bonzinhos peitará os políticos proprietários de terra, os desmatadores na Amazônia, os correntões que
arrastam árvores, as grilagens, as ameaças sistemáticas a sem-terra?
(Práticas, aliás, de muito coronel que vai à missa e comunga toda
semana.)
O nicho de mercado redefinido pela Globo é católico,
sim. Mas vai ao encontro do nicho anterior: o do pacto dos meios de comunicação tradicionais com as elites
brasileiras. E não apenas as elites mais civilizadas, ou com algum
sentimento de culpa. Essas elites podem ser, eventualmente, cordiais. O que não as torna menos violentas e
promotoras da desigualdade. Sem que a imprensa atente a essa face bem nascida da violência.
Esse pacto já foi feito em tempos de
democracia e de ditadura. Agora se afirma nesta nossa nova
democracia-ditadura, esta democracia pela metade, esta democracia que naturaliza os policiais sem identificação,
as prisões sem provas, as detenções com acusações vazias, as
manifestações controladas, o direito de ir e vir às favas, os
governadores jagunços e uma justiça distraída.
TWITTER:
@blogOutroBrasil
NO FACEBOOK:
Outro Brasil
Um comentário:
Alceu, pra variar, achei o seu post brilhante.Globo e demais emissoras vão continuar embaladas pela toada do pão e circo por muito tempo ainda e produzindo as Sandras Annenbergs da vida - aliás, cerca de um ano atrás, esta figura indefinível, ao noticiar que uma onça estava em uma rodovia,numa altura próxima à São Paulo, disse com todas as letras que só faltava essa para atrapalhar ainda mais o trânsito. Desde, então, tenho vontade de esbarrar nesta sujeita só pra lhe falar uns impropérios. Mas, voltando, acho que o jornalismo, digamos assim, de massa será, praticamente, o mesmo que se pratica hoje por muitos e muitos anos em função de uma combinação de n fatores. Cabe aos jornalistas que não querem ficar horas falando sobre o sorriso do Papa e segundos sobre o desaparecimento dos Amarildos da vida, por exemplo, criar e popularizar, na medida do possível, óbvio, canais de informação, divulgação e reflexão sobre as questões que foram abordadas por vc no post. Com o tempo,e, dependendo do que rolar no caminho, pode-se avançar. Mas se a gente conseguir isso já terá conquistado um belo terreno, e, gças à internet, inovações tecnológicas e outros, está em um momento animador e estimulante.
Postar um comentário