sexta-feira, 19 de julho de 2013

Entrevista sobre Carlo Giuliani ajuda a entender junho de 2013, Brasil

O jornalista italiano Carlo Gubitosa lançou um livro em 2004 sobre a morte de Carlo Giuliani e os conflitos em Gênova, durante reunião do G-8, em 20 de julho de 2001. Há exatamente 12 anos o manifestante italiano era morto por um policial. Levou um tiro. Eu entrevistei Gubitosa para a Agência Repórter Social, logo após o lançamento do livro. Ao reler a entrevista, agora, fiquei impressionado com a atualidade do relato e das considerações do jornalista, tendo em vista o contexto dos protestos brasileiros, em junho de 2013. Está lá a discussão sobre a violência da polícia, sua militarização, estão lá os black bloc e as divergências de estratégias entre os manifestantes, está lá a lógica econômica excludente.
Segue o texto como foi publicado em 2004:

por ALCEU LUÍS CASTILHO (Agência Repórter Social)

Em sua obra "Nome per Nome", lançada na Itália, Gubitosa detalha acontecimentos da reunião do G-8, que gerou um mártir e se tornou um evento-símbolo dos movimentos mundiais por outra globalização

Em julho de 2001, o G-8, grupo de países mais ricos e poderosos do mundo, reuniu-se em Gênova, na Itália, para sua reunião de cúpula, em perímetro fechado para manifestações de protesto. Alguns ativistas invadiram o local reservado e entraram em confronto com a polícia. O estudante Carlo Giuliani morreu – atingido pelo policial Mario Plastanica - e virou símbolo de resistência entre os movimentos mundiais por outra globalização. O jornalista italiano Carlo Gubitosa acompanhou tudo de perto e decidiu escrever um livro – lançado em julho na Itália - contando passo a passo, praça por praça, nome por nome, o que aconteceu naquela semana em seu país. Para os italianos, o episódio tem a mesma importância que o 11 de setembro de 2001 para os norte-americanos. Em entrevista ao Repórter Social, Gubitosa alerta sobre o papel da mídia no acirramento dos confrontos e cobra posturas pacíficas dos ativistas.


Repórter Social – O que mudou depois daqueles sete dias em Gênova, na Itália e no mundo?

Carlo Gubitosa – Na Itália mudou tudo, no mundo nada. Na Itália mudou tudo porque milhões de jovens perceberam que a democracia não é um presente que recebemos de nossos pais, mas uma coisa preciosa a ser cuidado todos os dias pelos nossos filhos, que não pode ser abandonada a si mesma, mas requer a participação e a atenção de todos. As violências cometidas pela polícia revelaram que a polícia na Itália não era mais uma “polícia de Estado”, isto é, gestada pelo Estado e pelos cidadãos, mas está lentamente transformando-se em um grupo de “guardas armados” sem relação de confiança e de colaboração com os cidadãos, instrumentalizados e usados pelos políticos e pelos poderosos para promover a paz em suas festas e reuniões. Por este ponto de vista muitas coisas mudaram, alguns sindicatos de policiais entenderam que a ação das associações e dos movimentos sociais não é um risco para a segurança, mas uma riqueza para a construção conjunta de uma colaboração entre as partes mais saudáveis do país. Em 2002 alguns policiais se encontraram com os garotos espancados em Gênova na escola Diaz, e este encontro foi muito bonito, porque não foi um encontro entre “inimigos”, mas entre pessoas que sofreram diversos tipos de violência. Os garotos tinham sofrido a violência do Estado e os policiais honestos tinham sofrido a violência dos poderosos, que os transformaram em cães de guarda do G8, constrangendo-os a turnos massacrantes e criando um cenário de confronto que poderia ter sido evitado.

Repórter Social – Por que decidiu escrever o livro?

Gubitosa – Porque estava em Gênova e fiquei profundamente impressionado com toda a violência que vi. Trabalhar por dois anos numa investigação sobre os fatos de Gênova foi uma forma de automedicação que me ajudou a superar o trauma daqueles dias com uma busca constante da verdade, mesmo quando esta verdade era incômoda ou repulsiva. No meu livro, na verdade, não se condena somente a violência física, mas também aquela verbal, sobretudo quando quem a utiliza são os grupos que se manisfestaram em Gênova. Refiro-me à “declaração de guerra” dos “Tute Bianche” (Macacões Brancos) italianos, que pretendia ser somente um modo de atrair a atenção e gritar em voz alta a própria contrariedade em relação às injustiças e desigualdades, mas se transformou numa perigosa “arma midiática” que contribuiu para elevar o nível de confronto durante as manifestações.

Repórter Social – Que coisas acontecem nos protestos por outra globalização que os jornais não publicam?

Carlo Gubitosa – Nas manifestações de protestos os jornais dão voz somente à violência, criando uma espiral onde vence quem levanta mais a voz e leva as mensagens mais “fortes” e “sensacionais”. É por isso que, do ponto de vista da mídia, quem venceu em Gênova foram os Black Bloc (anarquistas radicais), que se tornaram o grupo organizado mais visível e conhecido. Aquilo que é necessário interromper é a espiral crescente que alimenta a violência da praça com a violência midiática. Os jornais oferecem aos jovens uma mensagem escondida: “se quebrarem a vitrine conseguirão a primeira página, se falarem de conteúdo sério, infelizmente não serão notícia”. É por isso que o movimento dos Black Bloc cresceu e se desenvolveu nos EUA a partir da Europa, porque é exatamente nos Estados Unidos que a política-espetáculo atingiu sua máxima expressão. O que persiste ignorado e coberto por um véu de silêncio são as importantes reflexões científicas e culturais realizadas por todos os grupos, associações, ONGs e os especialistas que estão estudando os problemas das biotecnologias, da distribuição injusta dos recursos do planeta, da necessidade de encontrar uma alternativa à energia do petróleo, dos riscos ambientais associados ao nosso modelo de desenvolvimento. Este ano na Europa muitas pessoas morreram por causa do calor, e se fala de milhares de vítimas. Muitos acreditam que este calor tenha sido um fenômeno natural e inevitável, outros pensam que o superaquecimento do planeta não seja natural, mas sim devido à estupidez humana na gestão da única terra que possuímos.

Repórter Social – Os Fóruns Sociais, como os de Porto Alegre e Mumbai, são uma alternativa suficiente aos movimentos sociais?

Gubitosa – É importante reunir as pessoas de todo o mundo, mas é igualmente importante que nestes encontros elas aprendam a se reunir e organizarem-se também sozinhas, sem “Fóruns Sociais” ou eventos excepcionais, criando pequenos grupos em cada cidade e em cada quarteirão. Aldo Capitini, que levou a cultura da não-violência ao meu país e é conhecido como o “Gandhi italiano”, sustentava a necessidade de substituir o capitalismo, o militarismo, o socialismo e o comunismo por uma nova forma de “poder de baixo” que ele chamava de “omnicracia” (o poder de todos). Para a realização de uma sociedade baseada na omnicracia é necessário que todos os dias cada cidadão seja uma parte ativa do território em que vive, e não somente um espectador dos grandes eventos mundiais. Portanto acho que há necessidade de eventos “globais”, mas eles não são suficientes para mudar as coisas se não criam poderes “locais” e distribuídos que tenham condições de representar uma verdadeira alternativa ao poder centralizado e violento que se exprime nas formas mais diversas, mesmo no interior dos movimentos quando não se escutam as vozes de todos, mas somente dos poucos que tomam as decisões.

Repórter Social – A polícia no resto do mundo é muito diferente da italiana?

Gubitosa – Por sorte não tenho experiência direta com a polícia do resto do mundo, mas posso dizer que a polícia italiana está cumprindo um processo de involução autoritária. Em 1981 a polícia foi desmilitarizada e transformada em um órgão civil, graças também à colaboração entre policiais e sindicatos, realizada com a mediação dos partidos católicos e da esquerda. Isto levou à criação de uma polícia onde os policiais tinham mais direitos e se sentiam mais próximos dos cidadãos que defendiam. Nos anos 90, com o governo de Massimo D’Alema ocorreu o fenômeno contrário: os carabinieri foram transformados numa corporação militar, e por fim treinaram o novo exército afegão nascido após a guerra. Isto distanciou os carabinieri dos cidadãos, e de fato no meu livro são pouquíssimos os carabinieri que falam e contam suas experiências, porque são levados a respeitar o segredo militar. Hoje estamos no auge desta involução, que distancia a polícia dos cidadãos e a transforma num aparato militar, onde não se aplica o diálogo e a prevenção, para evitar os crimes antes que aconteçam, mas se exercita uma forte repressão contra todas as formas de discordância.

Repórter Social – Existe mesmo democracia no Ocidente?

Gubitosa – Acho que ainda existe, mas infelizmente uma geração viciada que não conheceu a ditadura não percebeu ainda que a democracia é consquistada todos os dias. O que acontece é exatamente o oposto: as pessoas não vão mais votar, há desinteresse pela política, quem se engaja nas associações é rotulado como um idealista, um sonhador pouco concreto ou um subversivo.

Repórter Social – Quais são os grandes erros daqueles que não aceitam a ordem atual?

Gubitosa – O maior erro é a falta de coragem em rejeitar todas as formas de violência, não apenas as militares e policiais, mas também as violências verbais e aquelas da política onde se decide quem tem mais poder e não quem tem as melhores idéias. Um movimento verdadeiramente revolucionário deveria seguir o exemplo dos maiores resultados da luta não violenta: penso na libertação da África do Sul por Mandela, na luta de Martin Luther King contra a segregação, no empenho anticolonial de Gandhi e no fato que hoje temos um continente pacífico, a Europa, onde há apenas 50 anos europeus assassinavam outros europeus durante a guerra. Esses exemplos demonstram que é possível criar um continente pacífico, e portanto podemos esperar um mundo pacífico, e, sem utilizar a violência, mesmo a verbal, se pode verdadeiramente mudar o mundo. A revolução de verdade é aquela da não-violência de Gandhi, mas nos movimentos sociais nem todos escolheram esse caminho.

Repórter Social - Como a imprensa européia publica as notícias sobre os movimentos brasileiros, como o MST?

Gubitosa – Estas realidades são praticamente ignoradas, com algumas exceções. Além do sítio onde colaboro, www.peacelink.it, os fatos da América Latina são relatados de maneira séria também por agências como a "Redattore Sociale" (www.redattoresociale.it) e a "Misna" (www.misna.org). Mas os grandes diários e televisões ignoram sistematicamente o trabalho de quem retratar a América Latina de outra perspectiva.


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