sexta-feira, 31 de janeiro de 2014


PF faz nota sobre prisão de cinco Tenharim. O que está nas entrelinhas?

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Vejamos, na íntegra, a nota da Polícia Federal sobre a prisão de cinco Tenharim, no sul do Amazonas. E depois, embaixo, tentemos ver o que está em suas entrelinhas. Vale observar que essa nota é o que temos para analisar – pois a PF informa que não dará entrevista coletiva.

Primeiro, a nota completa:

“A Polícia Federal em Rondônia, juntamente com a Força Nacional de Segurança Pública, Polícia Rodoviária Federal e o Exército Brasileiro, deflagraram a Operação Humaitá na data de 30/01, com o objetivo dar cumprimento a 5 mandados de prisão temporária de indígenas da etnia Tenharim, que habitam território localizado entre os quilômetros 100 e 150 da BR- 230.

As prisões foram expedidas pela Justiça Federal do Estado do Amazonas em razão de possível envolvimento dos índios na morte de três pessoas que desapareceram ao atravessarem uma das aldeias localizadas na rodovia Transamazônica.

O crime teve grande repercussão nacional e internacional no final do dezembro de 2013 e provocou manifestações da comunidade não-indígena contra os silvícolas, culminando com a destruição de carros e instalações da FUNAI em Humaitá/AM.

A Polícia Federal instaurou inquéritos policiais para apurar o desaparecimento e destruição do patrimônio público (FUNAI).

As conclusões da investigação apontam para a ocorrência de homicídio praticado pelos presos dentro de uma das aldeias e posterior ocultação dos cadáveres. Os corpos ainda não foram localizados.

Durante os trabalhos da Força Tarefa foram percorridos aproximadamente 270 hectares, delimitados pela investigação, e encontrados, no interior da terra indígena, peças do veículo ocupado pelos desaparecidos.

Na investigação, foram ouvidas diversas testemunhas, entre indígenas e não-indígenas, realizada perícia técnica nas peças encontradas, além da utilização de cães farejadores para localização de cadáveres e equipamentos modernos de rastreamento de peças metálicas escondidas.

Os trabalhos de polícia judiciária prosseguem até a apresentação do relatório final do inquérito policial”.

Agora, a nota comentada:

A Polícia Federal em Rondônia, juntamente com a Força Nacional de Segurança Pública, Polícia Rodoviária Federal e o Exército Brasileiro, deflagraram a Operação Humaitá na data de 30/01, com o objetivo dar cumprimento a 5 mandados de prisão temporária de indígenas da etnia Tenharim, que habitam território localizado entre os quilômetros 100 e 150 da BR- 230.

Primeiro, nota-se que a Operação Humaitá foi realizada em Manicoré. E que se trata de uma prisão temporária. E não preventiva. Se é temporária, costuma ser decretada por cinco dias, prorrogáveis por mais cinco. Se o crime investigado for hediondo (como tráfico, tortura e terrorismo), o prazo será de 30 dias, prorrogáveis, em caso de extrema e comprovada necessidade.

As prisões foram expedidas pela Justiça Federal do Estado do Amazonas em razão de possível envolvimento dos índios na morte de três pessoas que desapareceram ao atravessarem uma das aldeias localizadas na rodovia Transamazônica.

Ou seja, os Tenharim estão sendo acusados de crime hediondo a partir do possível envolvimento na “morte” de três pessoas. Mas elas não desapareceram ao atravessarem uma das aldeias. Elas desapareceram entre Humaitá (km 0) e o km 180. A maior parte desse trajeto não fica em Terra Indígena. No km 150 sai uma estrada conhecida pela periculosidade, a Rodovia do Estanho. Por que a investigação voltou-se apenas contra os Tenharim? Teremos a prisão temporária de não-índios?

O crime teve grande repercussão nacional e internacional no final do dezembro de 2013 e provocou manifestações da comunidade não-indígena contra os silvícolas, culminando com a destruição de carros e instalações da FUNAI em Humaitá/AM.

Silvícolas? Silvícolas, Polícia Federal? E mais: não foram apenas destruídos carros e instalações da Funai. Foram destruídos carros, motos, barcos e instalações da Funai, da Sesai (da Funasa, portanto), postos de pedágio e casas na Terra Indígena, na Transamazônica, em Humaitá e Manicoré. Dezenas de crimes, portanto. Alguns desses crimes foram fotografados e televisionados. O que, isto sim, motivou a tal repercussão internacional.

A Polícia Federal instaurou inquéritos policiais para apurar o desaparecimento e destruição do patrimônio público (FUNAI).

A Polícia Federal vai prender os não-índios (inclusive comerciantes e fazendeiros) que teriam incitado a população de Humaitá, Apuí e Manicoré a queimar bens públicos e indígenas? Vai prender aqueles que ameaçam os Tenharim de morte caso eles pisem em uma das cidades? Informação: os Tenharim dão nome e sobrenome para várias dessas pessoas. Eu mesmo entrevistei pessoas que pregaram a discriminação. Repito: só indígenas serão presos?

As conclusões da investigação apontam para a ocorrência de homicídio praticado pelos presos dentro de uma das aldeias e posterior ocultação dos cadáveres. Os corpos ainda não foram localizados.

Se as conclusões são tão fortes assim, poderia ter sido decretada a prisão preventiva, não? Ah: mas essa só com provas materiais. Ocorre que o delegado narrou detalhes sobre um assassinato com degola, segundo o Portal Terra. Com um relato muito parecido com os boatos que tomaram a cidade, na virada do ano. Um assunto para advogados criminalistas – mas desde que a Polícia Federal informe melhor (quem sabe numa entrevista coletiva) sobre os indícios. Eles não são apenas testemunhais? Cadê os cadáveres?

Durante os trabalhos da Força Tarefa foram percorridos aproximadamente 270 hectares, delimitados pela investigação, e encontrados, no interior da terra indígena, peças do veículo ocupado pelos desaparecidos.

Se percorreu 270 hectares, não procurou os cadáveres fora da TI Indígena. Por quê? Mas sejamos justos: a PF informa, ao menos, entre tantas deduções, que se trata do carro dos desaparecidos. Vale observar que ele foi encontrado no fim da TI Tenharim – no fim da TI Tenharim, quase na Rodovia do Estanho. A PF garante que ele tenha sido colocado lá pelos próprios Tenharim?

Na investigação, foram ouvidas diversas testemunhas, entre indígenas e não-indígenas, realizada perícia técnica nas peças encontradas, além da utilização de cães farejadores para localização de cadáveres e equipamentos modernos de rastreamento de peças metálicas escondidas.

Esses cães farejadores só começaram a trabalhar no dia 2 de janeiro. Mais de 15 dias após o desaparecimento. Eu estava em uma das casas dos parentes quando foram buscar as roupas dos desaparecidos. Por que tanta demora? E, de novo: os cães trabalharam também em terras que não fossem indígenas? O objetivo é encontrar os corpos ou não? Por último, e não menos importante: onde está o Ministério Público?

Os trabalhos de polícia judiciária prosseguem até a apresentação do relatório final do inquérito policial.

A sociedade brasileira espera, mesmo, que os trabalhos prossigam. Não somente aqueles relativos aos três desaparecidos, mas a todos os crimes cometidos na região. Contra indígenas e não-indígenas. Sem que o conjunto desses trabalhos ajude a criminalizar um povo específico - em nome do suposto crime cometido por alguns de seus membros. Que tudo o que aconteceu em Humaitá e região - tudo - seja esclarecido. E não apenas aquilo que tenha conveniência midiática.

LEIA MAIS:
A Batalha de Humaitá 
"Matar um índio para pegar uma índia"

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sábado, 21 de dezembro de 2013

Ruralistas dominam ranking de congressistas “modernos” da Veja

por ALCEU LUÍS CASTILHO
(@alceucastilho)

A revista Veja desta semana traz uma lista que chama de “ranking do progresso”. A lista na edição impressa é composta por 32 senadores e 54 deputados “que mais trabalharam em 2013 por um país moderno e competitivo”. A lista traz uma infinidade de ruralistas, em muitos casos nem um pouco associados a qualquer noção condescendente de modernidade.

A lista de ruralistas começa já no primeiro lugar entre os senadores: Armando Monteiro (PTB-PE). Ele leva a nota 10. A revista dá nota 10 para o político. Seu irmão, Eduardo de Queiroz Monteiro, tem empresa que já esteve várias vezes na Lista Suja do Trabalho Escravo, a Destilaria Gameleira, renomeada para Destilaria Araguaia.

Número 2 da Veja? Senador Casildo Maldaner (PMDB-SC). Dono de 2.050 hectares em São Félix do Xingu (PA), a capital da pecuária, terra de desmatamento e de grilagem.

O quarto da lista é um dos políticos que mais têm propriedades rurais: Eunício Oliveira (PMDB-CE). Em décimo lugar, mais um ultraruralista: Romero Jucá (PMDB-RR), com interesses diretos no setor da mineração.

O ruralista pouco assumido José Sarney (PMDB-AP) aparece em 22º lugar nessa lista, com nota 6. Pouco abaixo, em 24º lugar, lá está ela: Kátia Abreu (PMDB-TO), a presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), com nota 5,9.

O último lugar na lista da revista impressa (a edição digital traz um ranking mais completo) também é ocupado por um ruralista, Valdir Raupp (PMDB-TO).

A lista de ruralistas entre os deputados associados pela revista à palavra “progresso” também é inesgotável. Ela começa com Onofre Agostini (PSD-SC), membro da Frente Parlamentar da Agropecuária, um ex-arenista que também ganha nota 10 da Veja.

Em oitavo lugar, com nota 8,4, aparece Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Filho do poderoso Jorge Picciani, que já figurou na Lista Suja do trabalho escravo.

Ronaldo Caiado (DEM-GO) leva nota 7,8, em 20º lugar. A lista com dezenas de ruralistas também tem outros políticos importantes na defesa do agronegócio e dos latifúndios (indiscutivelmente dissociados de qualquer ideia de “progresso”), como Moreira Mendes (PSD-RO) e Arthur Lira (PP-AL).

A própria revista Veja, na semana passada, publicou uma “reportagem” contra os indígenas no Mato Grosso do Sul, a favor dos fazendeiros, com direito a foto de um deles portando arma, com ameaças aos indígenas.



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domingo, 15 de dezembro de 2013

Deputado ruralista defende "cacete" em indígenas

A fala do deputado Giovanni Queiroz (PDT-BA) na quarta-feira não pode passar despercebida. Em audiência pública promovida pelos ruralistas, ele ensinou a "dar um cacete" em indígenas. Conforme relato de Luisa Molina no Diário Liberdade: "O Gatilho da ofensiva ruralista".

Segue trecho:

- Aplausos e expressões de satisfação rondaram o auditório quando o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), ao falar de como "lidaram" com "o problema indígena" no seu estado com violência. "Ninguém mais contrata advogado. Entrou hoje [indígena na terra], sai na madrugada do dia seguinte. Sai debaixo de cacete". Ele prossegue, aconselhando outros a contratarem empresas de segurança: "4 horas da manhã você aborda o pessoal [que entrou na terra], chega o cravo no primeiro que reclamar, dá-lhe um cacete, bota em cima de um caminhão e manda devolver".

Em 2010, o deputado latifundiário declarou R$ 10 milhões. Vejamos os três itens mais significativos:

-> Área Rural 4.356 Ha - Municipio De Pau Darco R$ 6.000.000,00

-> Área Rural 1.840 Ha Em Rio Maria R$ 2.000.000,00

-> 1.900 Cabeças De Gado R$ 1.500.000,00

Valor total dos bens declarados: R$ 10.421.200,00

Em 1998 ele possuía R$ 2,3 milhões. As duas fazendas já estavam lá, com valores menores, mas também significativos em relação ao total: R$ 1,2 milhão e R$ 555 mil.

Segundo o site A República dos Ruralistas, ele teve uma campanha eleitoral tímida, de R$ 487.750,00 em doações diretas, feitas por empresas do ramo sucroalcooleiro, frigoríficos e uma mineradora. Entre elas a a Cosan S/A Açúcar e Álcool, a Agropastoril do Araguaia Ltda, o Frigorífico Rio Maria Ltda e a Mineração Buritirama S/A.


Alceu Luís Castilho (@alceucastilho) 


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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Turbina explode, e trabalhador morre em usina. Quem liga?

por ALCEU LUÍS CASTILHO
(@alceucastilho)

Notícia robótica na Folha: "Acidente mata trabalhador em usina". Mas só na Folha Ribeirão, que circula na região de Ribeirão Preto. Nome da vítima? Ah, qual a necessidade, não é mesmo? (Edson Aparecido Pinheiro, informa a Rede Anhanguera: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/12/ig_paulista/130791-explosao-mata-um-e-fere-outro-em-usina-de-cana-de-acucar.html).


Circunstâncias da morte? A empresa Biosev não informa. (O G1, porém, conta que uma turbina explodiu: http://m.g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2013/12/explosao-em-usina-mata-trabalhador-e-deixa-outro-ferido-em-sertaozinho.html.)

A usina atende pelo nome de Santa Elisa. Pertence ao grupo francês Louis Dreyfus, presente em mais de 50 países. (Santa Elisa, padroeira dos ferreiros, foi uma mártir egípcia. Decapitada.)

Segue a notícia robótica e gélida da Folha:

"Um acidente na área industrial da usina de cana-de-açúcar Santa Elisa, em Sertãozinho (a 333 km de São Paulo), matou um homem que trabalhava no local.

Outra pessoa também ficou ferida na ocorrência.

O acidente ocorreu no final da tarde de anteontem.

Em nota, a Biosev, empresa responsável pela usina, afirmou que lamenta a morte do funcionário e que oferece apoio aos familiares dele.

Entretanto, a Biosev não informou as circunstâncias do acidente que levaram à morte do trabalhador.

As causas do acidente serão investigadas pela Polícia Civil de Sertãozinho".


E é só. Registrado o protocolo jornalístico.

Em dezembro de 2008, a organização Amigos da Terra publicou os resultados do prêmio Pinóquio de desenvolvimento sustentável. O grupo Louis Dreyfus venceu na categoria direitos humanos, com 36% dos votos, pelo tratamento indigno aos assalariados brasileiros: http://www.prix-pinocchio.org/laureat-2008.php?id_rubrique=7

Mas hoje tem sorteio da Copa.


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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Um texto sobre ciganos para ser lido: no espanhol El País

O espanhol El País publicou há cinco dias um belo texto sobre ciganos franceses, que ali tiveram um campo de concentração específico - não nazista. Com aquela qualidade que o jornalismo brasileiro não costuma ter. Está disponível, gratuitamente, na internet: http://internacional.elpais.com/internacional/2013/11/02/actualidad/1383422739_935400.html

O UOL oferece o artigo traduzido, mas somente para assinantes. Pior: transformou o texto original, de 26 parágrafos, em um de 18 parágrafos. O original de 2.081 palavras foi desidratado quase pela metade: virou um guisado de 1.255 palavras. Ora, se é online, por que essa transfiguração? Estão economizando o quê?

Mas deixemos o UOL de lado. Esse texto do El País tem o mérito de tocar o dedo na ferida em relação às infâmias praticadas contra os ciganos. Infâmias que, historicamente, anunciaram desastres humanitários ainda maiores. "Artistas e intelectuais franceses alertam para a amnésia e os novos sintomas racistas", diz outra chamada. "A perseguição aos romanis antecedeu as duas guerras mundiais".

Roubo de crianças? Os europeus paranóicos costumam acusar os ciganos. Como há bem pouco tempo, com a criança loirinha. Mas foi esse campo de concentração francês que tirou as crianças ciganas dos pais. O repórter pergunta (mas não está na tradução): "¿quién ha robado niños a quién a lo largo de la historia?"

E com isso me lembro de reportagem racista assinada pela Veja, há algumas semanas, por seu correspondente em Paris. Com todo o discurso deplorado pelo texto espanhol: o preconceito, a ausência de humanismo. E o diálogo com aquele passado asqueroso que resultou em genocídio - proporcionalmente idêntico ao dos judeus.

Ao contrário dos judeus, não houve indenização nem compensação moral para os ciganos. Pois o caso não ficou na memória coletiva.

"Quizá por eso, la persecución dura todavía", escreve o repórter. Talvez por isso a perseguição ainda continue. (Os dois últimos parágrafos também foram cortados, arrisco-me na tradução.)

"Entre la indiferencia general, los prejuicios atávicos alentados por los medios, la comprensible renuencia de un pueblo masacrado a exigir justicia –ya sea de forma individual o colectiva-, y el consenso infernal que suscitan entre los políticos de las democracias neoliberales, los gitanos siguen siendo el perfecto chivo expiatorio, la primera señal de alarma de que algo muy profundo no va bien".

Em meio à indiferença geral, os preconceitos atávicos estimulados pelos meios de comunicação, a compreensível relutância de um povo massacrado em exigir justiça - seja de forma individual ou coletiva -, e o consenso infernal que eles suscitam entre os políticos das democracias neoliberais, os ciganos continuam sendo o perfeito bode expiatório, o primeiro sinal de alarme de que algo muito profundo não vai bem.

UOL, que tal traduzir direito o texto e liberar para os não assinantes?


Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

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terça-feira, 5 de novembro de 2013

Quem seria eleito no Brasil? O Rei do Camarote, Antonio Prata ou Paulo Maluf?

por ALCEU LUÍS CASTILHO
(@alceucastilho)

Se o Rei do Camarote sair para deputado, será eleito.

Se o Antonio Prata sair, não será eleito.

Se o Paulo Maluf sair, será eleito.

Pois o nivelamento ocorre por baixo. A ostentação de riquezas ou a ostentação de poder (mesmo que por corrupção) atingem mais o público brasileiro médio do que a ironia. Ou a capacidade analítica.

(E não vou nem falar aqui da defesa coesa e sistemática de posições densas e fundamentadas em relação a temas-chave da sociedade brasileira: da questão urbana à agrária, dos nós da segurança pública ao sistema político. Isso deve eleger, no máximo, um ou dois deputados em algumas Unidades da Federação.)

É a camarotização da opinião pública brasileira. As urnas recebem, a cada dois anos, votos de quem não entendeu o Antonio Prata  - o próprio Alexander, o Rei do Camarote, não entenderia aquele artigo baseado em ironias - e de quem apenas gostaria de estar no lugar do empresário, a espocar champanhes.

Votamos em reis, em representações caricaturais, em reduções da realidade. Mesmo que bufos. No rei da corrupção, no príncipe do direito do consumidor, no militar que desanca direitos humanos. E em coronéis, em imperadores de territórios implodidos.

Florestan Fernandes teria sérias dificuldades de ser eleito para a Câmara, hoje. Se há inveja em nossa sociedade, como diagnostica o Rei do Camarote, é em relação à detenção do conhecimento. Quem poderia discutir com mais propriedade o genocídio na periferia, a grilagem estrutural de nosso território, as medidas necessárias para a diminuição dos estupros, e tantos outros assuntos cruciais, não será eleito.

E não é somente que não será eleito. Não será nem discutido em uma escala razoável. Pois suas visões de mundo não repercutem. E não repercutem porque não viram memes. Memes são filhos do Willy Wonka (o Rei do Chocolate). Memes são bufos. Votos em Tiriricas e Enéas - mas também em Bolsonaros e Felicianos - são primos desses memes.

O mais performático e genial dos intelectuais políticos, um Darcy Ribeiro, não mais seria eleito para o Senado. Antropólogo? Defensor dos indígenas, da educação? Que cafona. Não usava Armani, não é amigo da Turma do Pânico. Não assistiria o Pânico. E escrevia uns períodos imensos.

Celebra-se e perpetua-se no Brasil uma linguagem cada vez menos enriquecedora. Menos complexa, menos complexificadora. E a pobreza da política apenas reflete esse movimento. Da capa da Vejinha ao horror de ler um texto até o final.

(Ou eu estou louco e não estou percebendo a repercussão de dissertações e teses, de artigos científicos e jornalísticos consistentes, de análises críticas, de sacadas geniais, de sutilezas acadêmicas e de raciocínios complexos? Ora, dirão, são poucos os que têm acesso a tudo isso. São mesmo?)

A hipertrofia do Rei do Camarote só ocorre pela força da camarotização. No país dos abadás e dos vallets, das ruas fechadas para moradores ricos e dos pedágios. Do patrimonialismo assimilado, da mesquinharia lúdica e exibicionista,
da política como extensão de horizontes privatizados. 

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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

15 de outubro de 2013, São Paulo: a “batalha da algema”

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Observem a partir de 2min25seg, no vídeo. O policial berra várias vezes, durante repressão a manifestação de professores e estudantes, em São Paulo: "Avante, algema! Avante, algema!"

Nada poderia ser mais expressivo. Essa é a política pública de educação mais bem definida em relação aos professores paulistas. "Algeeema!! Algema!!!" (É como se a algema fosse invocada como uma tábua de salvação, aquela que vai solucionar os nossos problemas. E de uma forma personalizada, como se ali fosse surgir uma senhora respeitável, uma velha conhecida.)

Essa é também a política pública mais bem definida em relação aos desmandos de um reitor retrógrado da USP, um salazarista. "Algeeema!! Algema!!!" (Já que não puderam prender os estudantes e torturá-los na reitoria da USP, como em 2011, que se demonstre essa autoridade chinfrim nas ruas. A mesma autoridade perdida em décadas de perpetuação de uma lógica policial verde-oliva.)

E essa é, ainda, a política pública de segurança mais populista, ilusionista e cínica de que se possa ter conhecimento. E mais suicida, mais degradadora dos tecidos de cidadania mais elementares. "Algeeeemas!", esgoela-se o comandante. E não só algemas: este vídeo escancara um oneroso e multiplicado arsenal repressivo. A nossa polícia está ali, a postos, de helicóptero e tudo. Contra o PCC? Traficantes de armas, ladrões de cargas? Contra o Comando Vermelho, o exército americano? Não. Não exatamente. Contra cidadãos algemáveis.

Vale observar, ao contrário do senso comum e das usurpações, que não existem black blocs; existem pessoas, existem indivíduos, cidadãos. Um fato singelo que não aparece, convenientemente, nas narrativas das operações policiais. E que, apesar da eventual violência de alguns manifestantes, evidentemente aguardada por esses meticulosos algemadores, estas imagens são a evidência de que esse sistema de repressão está falido. Que não há espaço para a militarização de polícias.

E que essa repressão virou entretenimento. Um repórter exclama, indignadíssimo: "A imprensa tem direito". (Em seguida ouve-se um disparo.) Claro que tem. Todos têm. Todos deveriam ter. O problema é que a ausência de noção mínima de democracia, em qualquer grupo social (inclusive manifestantes), tem sido multiplicada por essa mesma polícia cujas ações parte da imprensa celebra. Há um aval midiático para que o Estado engate essa gigantesca marcha a ré. (Sim, é ele quem a engata.)

Esse patrocínio parte da imprensa e parte da sociedade. No caso, a sociedade paulista, tão orgulhosa de seus bandeirantes. O mesmo lúmpen intelectual que se jubila com o vídeo de um bandido sendo baleado (acreditando candidamente que, agora sim, a violência refluirá...), irresponsavelmente turbinado pelos meios de comunicação, é quem dá aval a esse tipo de política do atordoamento, essa estética do gás lacrimogêneo, esse Estado enredado em algemas.

(Será que em breve o artefato estará à venda na Tok Stok?)

"Algemas! Algeeeeeemas!" Muitas algemas, público paulista! "Com licença, Dona Algema. Prenda mais este professor!" Menos aulas de geografia e história! Que se perpetuem os salários abomináveis! Quem precisa de educação? "Algeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeemas!!!!"

* com a licença de Gillo Pontecorvo, o diretor italiano do clássico “A Batalha de Argel”.

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