Por uma Marcha dos Amarildos
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
O
dia 12 de agosto marca os 30 anos do assassinato da líder sindical
Margarida Maria Alves, camponesa de Alagoa Grande, na Paraíba. O caso
gerou muita revolta na época. Entre os acusados estava Aguinaldo Velloso
Borges, político, coronel. Em 1962 ele já fora acusado de mandar matar
João Pedro Teixeira, o “Cabra Marcado para Morrer” do filme de Eduardo
Coutinho. Naquele ano um deputado estadual e quatro suplentes
renunciaram para que Borges assumisse o cargo na Assembleia e ganhasse
imunidade. Em 1990, ele morreu. Seu neto, homônimo, é o atual ministro
das Cidades.
Borges era bem relacionado, como mostro no livro “Partido da Terra – como os políticos conquistam o território brasileiro”.
Nove dias após o assassinato de Margarida, ele recebia o deputado Paulo
Maluf, então candidato à Presidência. Um jornal local descrevia o
usineiro como líder de um grupo de três deputados federais, cinco
deputados estaduais, 50 prefeitos. Controlava 27 representantes da
Paraíba no Colégio Eleitoral que definiria o próximo presidente. Maluf
perderia para Tancredo Neves.
Trinta anos depois, o neto de
Tancredo tenta a presidência da República, pelo PSDB. Sem despertar
maiores emoções. O Partido dos Trabalhadores chegou ao poder sem fazer
reforma agrária. A presidente Dilma Rousseff busca a reeleição com um
aliado polêmico: o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB).
A
sociedade brasileira – e fluminense – faz em coro uma pergunta simples
ao governador: “Onde está o Amarildo?”
O pedreiro Amarildo Dias de
Souza desapareceu na Rocinha no dia 14 de julho, após ser levado, “para
averiguação”, para a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
Tinha 43 anos. Provavelmente foi assassinado. A sociedade quer saber não
apenas onde está Amarildo, mas que sejam investigados seus algozes. O
responsável (ao que tudo indica, o Estado), devidamente punido.
As
duas histórias têm cara de ditadura. No fim do regime militar,
Margarida foi vítima de um crime que continua a ocorrer, no campo, em
tempos democráticos. Com assinatura de fazendeiros, de políticos, e
proteção sistemática da Justiça. É por causa dessa violação sistemática
de direitos de trabalhadoras rurais que a Contag e outras entidades
sindicais organizam, a cada quatro anos, a Marcha das Margaridas.
Durante
dias as trabalhadoras rurais marcham do interior do Brasil até
Brasília. Por visibilidade. Para os milhões de Margaridas no Brasil. Em
2011 a Marcha das Margaridas teve como lema desenvolvimento sustentável
com justiça, autonomia, igualdade e liberdade.
Esta liberdade também se mostra ausente no mundo urbano – e masculino. No Rio, Amarildo era conhecido como “Boi”.
Forte, e na ausência do Estado, ele carregava as pessoas que precisavam
de socorro, em meio às escadas da favela, para que fossem atendidas com
urgência em um hospital. Era um herói – ainda não reconhecido.
As
lutas da cidade e do campo são uma só. Ou pelo menos deveriam ser. É
por isso que lanço aqui uma ideia singela: por que não se pensar em
fazer, de quatro em quatro anos, uma Marcha dos Amarildos? Não só pelos
desaparecidos e assassinados. Mas por todos os ameaçados, humilhados.
Em
2015 teremos novamente uma Marcha das Margaridas. Em pauta, os direitos
no campo. E em 2013? 2017? A Marcha dos Amarildos seria um ato-espelho,
uma homenagem a todos os heróis urbanos. E reivindicaria o direito à
cidade.
Marcha das Margaridas e Marcha dos Amarildos cobrariam
de nossos governantes o respeito aos direitos elementares dos
trabalhadores, dos cidadãos. A começar do direito à vida, à liberdade de
ir e vir – sem que uma polícia “pacificadora” violente seus direitos.
Esses
direitos rasgados diariamente compõem uma democracia pela metade. Nos
anos pares, como 2014, temos eleições. Com financiamento privado, compra
de votos, abuso do poder econômico. Mesmo assim políticos e jornalistas
deslumbrados (ou cínicos) descrevem os pleitos como uma “festa da
democracia”.
A democracia precisa ser cobrada nas ruas. Com a
mesma dignidade das mulheres camponesas. A Marcha das Margaridas precisa
se encontrar com a Marcha dos Amarildos.
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