quinta-feira, 7 de março de 2013

Sobre Feliciano, Calheiros. E sobre analfabetismo político e midiático

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Do jeito que as coisas vão no cenário político brasileiro, duas coisas: 1) a bancada evangélica fundamentalista só crescerá ao longo dos anos; 2) a bancada ruralista, cada vez mais santificada, continuará dando as cartas no Congresso. Cito dois exemplos mais conhecidos, entre outras bancadas movidas a conflito de interesses: empreiteiras, ensino privado, saúde privada etc.

Interesse público, na atividade desses excelentíssimo senhores? Estamos longe disso. Com as honrosas exceções. Mas não dá para seguirmos canalizando as nossas indignações para uma estrada estéril. Ou para uma nuvem etérea, ineficaz, distante da política real. É possível, sim, equilibrar utopia e pragmatismo. Ocorre que isso exige um combate rigoroso à ingenuidade.

Passou da hora dessa gente bronzeada pensar a política como um todo. As indignações específicas são bem-vindas, desde que inseridas numa percepção maior do que é o sistema partidário, do que é o sistema eleitoral. Marco Feliciano, Jair Bolsonaro, Renan Calheiros? Podemos desprezar mais ou menos este ou aquele (eu voto nesse terceiro senhor, muito mais poderoso), mas os problemas estão bem mais embaixo.

Ou seja, entre petições virtuais, protestos reais e gritos nas redes sociais, precisamos participar mais efetivamente da vida política. Efetividade, nesse caso, implica um grau muito maior de informações sobre como funcionam as instituições: o Congresso, o sistema representativo, o Judiciário, a imprensa.

Isso passa pela revogação do anafalbetismo midiático. Ou seja, pela noção de que a imprensa graúda se movimenta em ondas, de acordo com interesses específicos. O caos informativo (que os donos dos meios de comunicação definem como exercício de democracia...) é apenas aparente. Que o diga a questão agrária – violentamente reduzida, nos grandes jornais, a “invasões” dos sem-terra contra pobres proprietários impolutos.

O refinamento de nossa percepção política exige uma disposição muito maior para obter informações. Seja na academia, seja em meios alternativos: livros, novas mídias. Estamos dispostos a alavancar essa rede de informações contra-hegemônicas? Financiá-la, inclusive?

As discussões regulares sobre temas estruturais também são necessárias. A relação entre os problemas, também. Trata-se de um sistema cheio de buracos, e não apenas de um nome ou outro mal escolhido, de um ou outro personagem sórdido, que seria uma excrescência do sistema. Estamos dispostos a reservar parte de nosso tempo semanal para esse debate? (Esse combate necessário?)

Se não tivermos essa visão de conjunto nossa indignação seguirá enxugando gelo. Os genocídios no trânsito, no campo, as agressões a mulheres e a homossexuais, a corrupção, a especulação imobiliária, a violência urbana (inclusive a policial) compõem uma mesma sinfonia do desprezo à vida, um mesmo concerto de celebração do lucro a qualquer custo, do oportunismo como valor inevitável.

Sem essa percepção orgânica cada brasileiro indignado poderá incorrer no erro de atacar numa ponta o que pratica na outra. De ser o psicótico que gruda na traseira do carro da frente enquanto acha que o mensalão foi a pior – e única – manifestação de que há algo errado na política. É tempo de observar o quanto o cinismo brasiliense não reflete o cinismo perpetuado diariamente em nossa sociedade violenta.

Quando falo de uma indignação “em ponta de faca”, enxugando gelo, devo assinalar que esse costuma ser um passo provável - e despolitizado- para o desânimo.

Desistências e indiferença alimentam diariamente o jogo dos inimigos. Os gritos por cidadania não podem ser apenas espasmos, performances sem maiores consequências. Devem ser canalizados para ações conjuntas – e racionais - por outras bancadas parlamentares (e estas são fundamentais), outras visões de mundo, outras práticas, outro fôlego, outra política.

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