quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Como os jornalistas devem cobrir a política de extermínio? 

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Acabo de ver o Profissão Repórter de ontem, sobre chacina em Osasco/Barueri. Após recomendações. Infelizmente, porém, constato que Caco Barcellos - um jornalista que respeitamos - desta vez errou na mão. Conseguiu uma boa notícia: houve outra chacina na região, uma semana antes dessa que teve repercussão nacional. Mas a reportagem resvala em um sensacionalismo que não é próprio do repórter. http://g1.globo.com/…/osasco-teve-serie-de-assassinatos-dia…

Os primeiros 25 minutos têm muito sangue, exploração excessiva da dor dos parentes. Há momentos que poderiam estar naqueles pseudojornais (Band, Record) do fim de tarde. Chega a ser constrangedor ver um dos melhores jornalistas do país permitir uma edição como essa, meio que na linha aqui-e-agora. Essa superficialidade é agravada pela característica do próprio programa, onde os repórteres também se tornam personagens. Não era o caso.

Há um problema metodológico na abordagem. Sim, jornalismo também tem método. Ou pelo menos deveria. E o problema é que a notícia não estava somente na exploração dos cenários do crime, onde nem sempre as pessoas se sentem à vontade para falar o que gostariam. Lembremos que estamos falando de grupos de extermínio. Quem nas periferias pode dizer tudo o que pensa?

A notícia está na perspectiva histórica. No fato de crimes como esse se sucederem ao longo do tempo, sem punição adequada. E sem comoção nacional. Está no fato de que teremos outros episódios similares. Está na cobrança do poder público pela falta de apuração, e pela participação central de policiais nos crimes. A dor dos parentes e a história dos mortos deveria compor uma história maior - se queremos mesmo respeitar essa dor e essas biografias.

A Câmara acabou de ter uma CPI do Extermínio da Juventude Negra. Com recomendações ao poder público. Por que não repercuti-la? Tempo para apuração, havia. Em 2006 tivemos uma CPI do Extermínio no Nordeste. Muito pouco, se pensarmos que os grupos de extermínio agem - como mostrei no sábado - em todas as Unidades da Federação: http://alceucastilho.blogspot.com.br/…/uma-democracia-com-g…. Cabe aos jornalistas amplificar e contextualizar esse tipo de informação.

A Globo tem estrutura para isso. E um jornalismo (apesar de tudo) melhor que o das concorrentes. Caco Barcellos é exatamente um dos caras mais indicados para a tarefa. Mas, desta vez, não fez jus à carreira brilhante. Parece acomodado. Não há coragem, Caco, em expor litros de sangue na calçada. Você sabe disso. E sim em colocar em evidência a participação de policiais civis e militares num pacote de crimes (não se trata apenas de vingança) que resultam nas execuções.

Faltou ouvir especialistas em segurança pública. E em execuções. Faltou ouvir o governo estadual. Faltou ouvir as Mães de Maio. Faltou convidar a turma da Ponte Jornalismo, que entende do assunto. A pena de morte instantânea está institucionalizada no Brasil. E convida os jornalistas brasileiros a uma cobertura mais sistemática, com a mencionada perspectiva histórica. Menos choro e menos vela, e mais jornalismo analítico, investigativo. Menos show, mais ousadia.

A escravidão foi supostamente abolida em 1888. Os tataranetos dos escravos continuam a ser regularmente executados. E precisamos de novas abolições: da tortura, do extermínio, da violência policial. Que é movida não só por desejos tresloucados de vingança, mas também por interesses econômicos. Pelo crime organizado - aquele com farda e distintivo. Sem a participação responsável e corajosa de jornalistas, nada feito. Seguiremos sendo cúmplices.


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sábado, 15 de agosto de 2015

Uma democracia com grupos de extermínio. Em Osasco somente? Não. Por todo o país

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Segue um exemplo (entre muitos outros) por Unidade da Federação. Boa parte das notícias é de 2015.

ACRE. "Agentes penitenciários denunciam ação de grupo de extermínio". http://bit.ly/…/…/agentes-penitenciarios-denunciam-acao.html (2015)
ALAGOAS. "Integrante de grupo de extermínio chefiou Guarda Municipal". http://tnh1.ne10.uol.com.br/…/pilar-integrante-de-grupo-de-… (2015)
AMAPÁ. "Prisão de comerciantes revela existência de grupo de extermínio de assaltantes". http://g1.globo.com/…/prisao-de-comerciantes-revel…/2670032/ (2013)
AMAZONAS. "Grupo de extermínio liderado por policial militar reformado é preso". http://acritica.uol.com.br/…/Manaus-Amazonas-Amazonia-exter… (2015)
BAHIA. "Jovens negros na mira de grupos de extermínio". http://apublica.org/…/jovens-negros-na-mira-de-grupos-de-e…/ (2013)
CEARÁ. "Há grupo de extermínio dentro da PM do Ceará". http://blog.opovo.com.br/…/capitao-wagner-ha-grupo-de-exte…/ (2012)
DISTRITO FEDERAL. "Polícia do DF investiga participação de PMs em morte de três jovens". http://g1.globo.com/…/policia-do-df-investiga-participacao-… (2012)
ESPÍRITO SANTO. "Polícia investiga volta da Le Cocq". http://www.folhavitoria.com.br/…/policia-investiga-volta-d…/ (2015)
GOIÁS. "Rodrigo Janot vai acompanhar investigações de grupos de extermínio". http://www.correiobraziliense.com.br/…/rodrigo-janot-vai-ac… (2015)
MARANHÃO. "Quilombolas denunciam grupos de extermínio". http://www.palmares.gov.br/?p=12334 (2011)
MATO GROSSO. "Polícia também investiga grupo de extermínio em Sinop; Sete são baleados em menos de uma hora". http://www.hipernoticias.com.br/…/policia-tambem-inve…/47165 (11 de agosto de 2015)
MATO GROSSO DO SUL. "Coronel da PM suspeito de mortes é vereador". http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/8/24/cotidiano/30.html (1997)
MINAS GERAIS. "PM eleito vereador é preso suspeito de chefiar grupo de extermínio". http://g1.globo.com/…/pm-eleito-vereador-e-preso-suspeito-d… (2013)
PARÁ. "PMs são acusados de facilitar trabalho de grupo de extermínio no Pará". http://www1.folha.uol.com.br/…/1618241-pms-sao-acusados-de-… (2015)
PARAÍBA. "Grupo de extermínio intimida Júri na Paraíba". http://colunaesplanada.blogosfera.uol.com.br/…/caso-manoel…/ (2014)
PARANÁ. "PMs de Curitiba são presos suspeitos de formar grupo de extermínio". http://g1.globo.com/…/pms-de-curitiba-sao-presos-suspeitos-… (2014)
PERNAMBUCO. "Três PMs são presos por integrar grupo de extermínio no Sertão de PE". http://g1.globo.com/…/tres-pms-sao-presos-por-integrar-grup… (2015)
PIAUÍ. "Grupo de extermínio pode estar agindo em Teresina e envolvido na morte de Eduardo Oliveira". http://www.meionorte.com/…/grupo-de-exterminio-pode-estar-a… (2015)
RIO DE JANEIRO. "Grupo de extermínio era financiado por centrais de 'gatonet', diz PF". http://g1.globo.com/…/grupo-de-exterminio-era-financiado-po… (2010)
RIO GRANDE DO NORTE. "Dezessete policiais são presos suspeitos de grupo de extermínio no RN". http://noticias.r7.com/…/dezessete-policiais-sao-presos-sus… (2013)
RIO GRANDE DO SUL. "Júri de ex-PM acusado de integrar grupo de extermínio em Alvorada é cancelado". http://wp.clicrbs.com.br/casodepoli…/…/grupo-de-exterminio/… (2015)
RONDÔNIA. "Latifúndio contrata PMs para exterminar camponeses". http://www.anovademocracia.com.br/…/2726-rondonia-latifundi…
RORAIMA. "Grupo de extermínio pode ser autor das últimas mortes em Boa Vista". http://www.fatoreal.blog.br/…/assassinatos-em-rr-grupo-de-…/ (2013)
SANTA CATARINA. "Polícia prende grupo de extermínio que atuava em Chopinzinho". (No Paraná. Mas também em Santa Catarina.) http://www.diariodosudoeste.com.br/…/policia-prend…/1346548/ (2015)
SÃO PAULO. "Em cada batalhão da PM tem um grupo de extermínio". http://racismoambiental.net.br/…/em-cada-batalhao-da-pm-te…/ (2012)
SERGIPE. "PF prende 11 suspeitos de integrar grupos de extermínio". http://noticias.uol.com.br/…/pf-prende-11-suspeitos-de-inte… (2015)
TOCANTINS. "Delegado que investigou grupo de extermínio de Grurupi é exonerado". http://www.t1noticias.com.br/…/delegado-que-investig…/46803/ (2013)

***
Dica: abra os links e veja nas chamadas as motivações. As redes. Não seja ingênuo. Não estamos numa luta entre mocinhos e bandidos. O crime organizado também usa farda. Ou distintivo.

Pergunta: por que esse não é um tema prioritário da imprensa? Com cobertura sistemática, e não ocasional? Editoriais, artigos indignadíssimos, cobrança diária? Por que tamanha distração?

Consideração: se você pactua com tudo isso (de posts na internet a selfies ingênuas), meu amigo, saiba que essa gente mata qualquer um. Se liga. Osasco é aqui. Brasil.


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