quinta-feira, 27 de setembro de 2012

“Terras de políticos são improdutivas”, aponta mestrado da USP

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

As propriedades rurais de deputados e senadores são majoritariamente grandes - e improdutivas. A constatação foi feita por Sandra Helena Gonçalves Costa, em mestrado defendido na última quinta-feira (dia 20 de setembro) na Universidade de São Paulo. Diante de uma base de dados do Incra, de 2003, ela aferiu que 41,47% do total de propriedade de políticos eram latifúndios improdutivos; e que as grandes propriedades produtivas representavam 29,17%.

Esses dados referem-se às declarações de bens entregues pelas pessoas físicas. Entre as empresas declaradas por políticos a porcentagem é ainda maior: 62,25% do total são grandes propriedades improdutivas, contra 25,26% de latifúndios produtivos. O nome da dissertação, apresentado no programa de pós-graduação em Geografia Humana da FFLCH-USP, é: “A questão agrária no Brasil e a bancada ruralista no Congresso Nacional”.

Sandra informou que Bahia, Mato Grosso e Piauí são os estados que lideram uma lista de 217 propriedades improdutivas de políticos. O professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira observou que, no cadastro do Incra, essas propriedades aparecem assinaladas com três pontinhos, entre parênteses. “É uma decisão corrupta do Incra, para evitar que os proprietários não consigam empréstimos bancários”, afirma. “Isso é ilegal, inconstitucional”.

GRILAGEM E CONTRADIÇÕES

Orientada por Oliveira, Sandra sustentou a tese de que os políticos são sujeitos ativos na dinâmica de expansão capitalista da agricultura. Organizam-se “no intuito de defender seus interesses de classe”. Suas propriedades estão associadas, em muitos casos, à grilagem. “Eles são ruralistas e são grileiros”, afirma Sandra. “Meu trabalho mostra isso”.

Além dos dados do Incra, a pesquisadora analisou também declarações à Justiça Eleitoral, entre 1998 e 2010, além de biografias dos congressistas, estudos acadêmicos e outros documentos oficiais (prefeituras, Câmaras Municipais). “Muitos dados parecem forjados, outros são escondidos”, observa. Ela considera que a existência dos latifúndios fere a dignidade humana e que o poder político “é uma perversidade”.

A pesquisadora identificou 364 políticos na bancada ruralista, nas últimas legislaturas. Apenas 118 declararam profissões diretamente relacionadas. “A lista vai continuar aumentando”, afirma. Sandra observa que os senadores José Sarney e Renan Calheiros só se reconheceram como ruralistas em 2010.

Ela defende mais transparência na divulgação dos dados sobre bens rurais de políticos. Considera que o Estado deixa os pesquisadores numa situação de “abandono”.

O CONTROLE DO TERRITÓRIO

Sandra ressaltou a relação próxima que os proprietários têm com a terra. “O poder político é dos proprietários de terra, na escala dos municípios”, afirma. “Não somente capital. Principalmente no interior, ser poderoso é ter terras, ser fazendeiro”.

A professora Valéria de Marcos, do Departamento de Geografia da USP, que também fez parte da banca examinadora, disse que o caráter rentista dessa classe política precisa ficar mais evidenciado. “É preciso dizer que estão vivendo disso”, afirmou. “E que terra é poder”. Valéria considera que não dá mais para falar do tema (bancada ruralista) sem fazer referência ao trabalho de Sandra, elogiada pela “coragem de colocar a mão nesse vespeiro”.

“O trabalho comprova que o Estado abriu mão do controle de seu território”, afirmou Carlos Alberto Feliciano, da Unesp de Presidente Prudente. “O livro é uma denúncia. Se o Estado quisesse fazer alguma coisa era só pegar a lista que eles próprios declararam e pronto: os assentados já teriam terras”.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira afirmou que, daqui para a frente, os congressistas saberão que suas terras estarão expostas na Internet. Ele está em fase de conclusão de um Atlas da Terra, que mostra a dimensão do processo de grilagem, como formador do território brasileiro. Áreas declaradas ao Incra ultrapassam a área real dos municípios, por exemplo.

Sandra dedicou parte de sua dissertação de mestrado às famílias de políticos ruralistas. Como os Caiado, em Goiás, ou os Rosado, no Rio Grande do Norte. Betinho Rosado ilustra um caso de diferença entre os dados do Incra e os do TSE: declarou 784,8 hectares em Mossoró, mas no Incra constam somente 554 hectares. “Quase nunca a área registrada coincide com a declarada”, afirma.

Uma exceção a essa tendência ocorre no Sul. “Mas os políticos vão buscar terras em outros estados”, diz Sandra. “CNA, Associação dos Criadores de Zebu e UDR são espaços de articulação desses parlamentares, para se apropriarem de terras em outros estados”.

PARTIDO DA TERRA 

Muitos dados apresentados coincidem com os do livro Partido da Terra (Alceu Luís Castilho, Editora Contexto, 2012), um levantamento a partir de quase 13 mil declarações de bens de prefeitos, vice-prefeitos, deputados estaduais, federais, senadores, governadores e vice-governadores, eleitos em 2008 e 2010.

Carlos Alberto Feliciano chegou a tirar o livro da mochila, durante sua arguição (sem saber que o repórter estava presente), e observou que jornalista e pesquisadora tinham chegado, por caminhos diferentes, a várias constatações em comum. Ele apontou diferença entre o viés acadêmico da pesquisadora e o que chamou de viés “mercadológico” do livro, segundo ele mais preocupado do que o trabalho acadêmico em “contar histórias”.

Jornalista e pesquisadora chegaram a conclusões idênticas sem terem se falado. E com metodologias diferentes. Sandra se estendeu mais no tempo, contabilizando dados de políticos do Congresso eleitos desde 1998. E analisou também os dados do Incra.

O trabalho que resultou no livro avançou em outras esferas de poder, ao analisar os bens de deputados estaduais, governadores, prefeitos e vice-prefeitos. A conclusão do autor é a de que existe, mais que uma bancada, um “sistema político ruralista” no Brasil.

A CONTINUIDADE

Uma das conclusões do mestrado de Sandra é a do surgimento de novos protagonistas entre os ruralistas. Ela observa que, após as mudanças do Código Florestal (chamado por ambientalistas de Código Ruralista), eles se dedicarão a atacar os territórios indígenas.

Ela também enumerou casos de conflitos de políticos com a classe camponesa: o de Benito Priante e Jader Barbalho, no Pará, mencionados no caso da irmã Dorothy Stang; e o do deputado federal Rubens Moreira Mendes Filho, em Rondônia, que, em documento oficial, chegou a perguntar ao Exército por que não tinha enviado forças armadas contra a Liga dos Camponeses Pobres.


NO TWITTER:
@blogOutroBrasil

NO FACEBOOK:

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Professor da USP vê diferença entre ruralistas: “produtores e especuladores”

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

O senador Blairo Maggi (PR-MT) costuma se dirigir à senadora Kátia Abreu (PSD-TO), durante discussões sobre Código Florestal, e dizer: “Você nunca produziu nada”. Em relação ao Código Florestal, ele afirma que ela não sabe do que está falando, exatamente por manter terras para gado, com fins especulativos. O relato é do professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, da USP, para quem as diferenças entre os ruralistas são explícitas e assumidas.

Rodrigues faz parte do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luis de Queiroz), do Departamento de Ciências Biológicas, em Piracicaba. Ele participou no sábado, em São Paulo, do Hackday Código Florestal, um evento que tomou o fim de semana, organizado por ativistas ambientais. Estes consideram que “o jogo não acabou” em relação ao Código, e organizam informações para pressionar os políticos a barrar mudanças que beneficiem os ruralistas.

O relato do professor da USP identifica pelo menos dois grupos entre os ruralistas do Congresso. Um deles, o dos produtores – que têm no senador Maggi um símbolo. Comumente descrito como “rei da soja”, ele planta mais de 200 mil hectares de grãos (soja, milho, algodão) no Mato Grosso, onde foi governador. Seu primo Eraí Maggi planta ainda mais – 300 mil hectares.

O outro grupo seria o dos pecuaristas. Rodrigues observa que 2/3 da área agricultável no Brasil (mais de 200 milhões de hectares) não estão com a agricultura, e sim com a pecuária. E que esta, assegura, não é produtiva, e sim especulativa. A relação entre a arroba do boi e o território ocupado, em boa parte dos casos, é deficitária. Isso significa que o gado é utilizado para outros fins – como a lavagem de dinheiro.

Ele mencionou o caso de outro senador, Renan Calheiros (PMDB-AL), ex-presidente do Senado e apontado como favorito à sucessão do atual presidente, José Sarney (PMDB-AP).

Os dois são mencionados no livro “Partido da Terra” (Alceu Luís Castilho, Editora Contexto, 2012). O autor do livro – responsável por este blog – identifica a existência de um “sistema político ruralista” no Brasil, do qual a bancada ruralista seria uma de suas expressões. Essa idéia foi construída a partir da análise da declaração de bens de quase 13 mil poíticos brasileiros, eleitos em 2008 e 2010.

O debate no início do Hackday Código Florestal contou também com a participação de Sérgio Leitão, do Greenpeace, e de Raul do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA). Leitão enfatizou outra diferença na bancada ruralista: aquela mais rígida (composta por 150 deputados que bancaram há alguns anos a eleição de Aldo Rebelo à presidência da Câmara), que atua sempre fechada, "pensa nisso 24 horas por dia", e uma mais maleável, que pode ser alvo dos ambientalistas em relação à mudança de voto.

Raul do Valle considera que, para além da posse de terras pelos políticos, ou doações de campanha por empresas agropecuárias, a bancada ruralista é composta por parlamentares que adotam um discurso ideológico hegemônico. Esse discurso é associado ao crescimento e à noção de que o Brasil ainda teria terras de sobra para agricultura e pecuária. Ele considera que é preciso deixar claro à sociedade as consequências dessa visão de mundo.

NO TWITTER:
@blogOutroBrasil

NO FACEBOOK: