quarta-feira, 18 de julho de 2012

Um cantor indígena, a feira literária das elites e a nossa “barbárie cultural”
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
A expressão “barbárie cultural” está em um texto na parede da Casa do Núcleo, um espaço alternativo (local de shows e cursos, sede de uma gravadora e produtora) localizado no bairro de Alto de Pinheiros, em São Paulo. Refere-se à perda irreparável que é ignorarmos culturas de outros países e povos, diante do massacre ao qual somos diariamente submetidos pela indústria do entretenimento – com viés, claro, estadunidense e europeu.

Lembrei-me da “barbárie cultural” ao ver vídeos com músicas de Wakay, um índio Funi-ô alagoano radicado em Salvador. Ele canta em yathe, seu idioma materno, e em português. A apresentação de seu trabalho fala de ritmos marcados pelos pés (como nas danças indígenas) e da presença de sons de pássaros e água corrente. Considera-se na missão de espalhar as tradições dos primeiros habitantes das terras brasileiras.


Pode-se até não gostar das músicas. Ou do autor. Mas é preciso reconhecer que faz circular um conjunto diferente de imagens, de conceitos, de olhares, em relação ao que estamos acostumados. Só a divulgação do texto em idioma indígena já valeria a experiência. O Brasil tem hoje cerca de 180 idiomas, além do português. Eles representam séculos de tradição, de riqueza cultural. Mas muitos estão em extinção. Os demais seguem desconhecidos, enquanto aprendemos inglês, espanhol e alemão.

O cientista social Emir Sader escreveu este mês um texto sobre a Flip, a Feira Literária Internacional de Paraty, que vai ao encontro dessa ideia de barbárie cultural. Está no blog da Boitempo Editorial. Ele critica a elitização do evento, que, para ele, tanto poderia ser realizado em Ibiza, em Cannes ou no Havaí: “Parece que se joga justamente com o exclusivismo, com o gasto enorme que se pode fazer, para dizer: 'Eu estive na Flip, em Paraty'.”

Sader menciona uma ausência específica na Flip: a de representantes da literatura e do ensaísmo latino-americanos, que tiveram “pouca ou nenhuma presença” no evento, no início de julho. De fato, basta passar os olhos na relação dos debatedores para observar a ausência dos vizinhos. E olhem que se trata de uma das literaturas mais ricas do planeta.

Não por coincidência, o criador do Núcleo Contemporâneo, onde fica a Casa do Núcleo, investe na coleta de CDs e informações sobre música da América Latina. É o músico Benjamin Taubkin, membro do Fórum Europeu de Música do Mundo. Ele considera a música desse continente (por conta da diversidade de estilos e culturas) uma das mais inspiradoras e vivas do planeta.

A cultura dos povos indígenas está para a cultura brasileira assim como a cultura produzida na América Latina: distante, desconhecida. Lutar contra a barbárie, no Brasil, significa lutar contra o desconhecimento monumental relativo às mais de 200 nações indígenas distribuídas por nosso território. E implica disposição para conhecer mais seus idiomas, suas danças, sua musicalidade.

Os indígenas estão se movimentando, a duras penas. Temos neste texto apenas um exemplo, com Wakay. Mas o vídeo tem pouquíssimos acessos no YouTube. Outros estão fazendo ou aprendendo a fazer filmes – um cinema com outro olhar, outra luz, que ainda não chega em nossos aparelhos hollywoodianos.

Entre os brancos ditos civilizados (inclusive os que se consideram ilustradíssimos), a barbárie cultural é uma doença contagiosa, uma praga que nos confina em pontos cada vez mais isolados de nosso território possível.

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