sábado, 31 de dezembro de 2011

As mais lidas do blog: relatos de violências lideram lista de 2011

Quais os posts mais lidos do blog em 2011? Sim, ele tem menos de 40 dias – e, com este, 40 posts. Mas vale como curiosidade – ou para quem o conheceu há apenas alguns dias.

Nos dois primeiros lugares, disputando cabeça a cabeça, estão dois relatos de violência:

Rosi conta como foi torturada na USP e

Antropólogo relata como PM o espancou na Paulista

As violências policiais e a defesa dos direitos humanos seguirão como uma das prioridades do blog.

Em terceiro lugar aparece uma resenha do livro “Privataria Tucana”, com foco nas histórias que o livro contém sobre imprensa:

Veja por que “Privataria Tucana” é também um livro sobre imprensa

Vale observar que 2012, ano eleitoral, deve inspirar mais notícias sobre política partidária.

Outros cinco posts (entre os mais lidos) tratam da crise na USP – já que o reitor Rodas insistiu em criar notícias relevantes neste fim de ano. Os relatos de expulsões de estudantes ficaram em quarto, quinto e sexto lugar:

“Ainda sou aluna da USP”, diz estudante expulsa pelo reitor

Reitor da USP expulsa seis estudantes com base em lei de 1972

Ela tem um filho de 2 meses; foi expulsa da USP e da moradia

Em oitavo lugar está uma reportagem sobre ato contra os presos durante a desocupação – violenta – da reitoria, em novembro:

Presos da USP articulam contra-ataque político

Em décimo, uma Carta Aberta aos Eliminados – um editorial contra a expulsão dos estudantes. Mas também a favor dos excluídos, espoliados, “eliminados”:

Carta Aberta aos Eliminados (dos expulsos da USP às vítimas de uma democracia-aprendiz)

A morte de Sócrates e o espancamento do yorkshire em Goiânia inspiraram o sétimo e o nono lugares. Os dois temas constam de qualquer retrospectiva de 2011 – e tendem a subir nessa lista com o tempo.

O doutor Sócrates inspirou uma crônica:

O vazio na mesa ao lado do bar

O espancamento do cachorro, um artigo:

Indignação e barbárie: as mortes de cachorros escandalizam mais?

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

500 anos depois
A violação sistemática dos direitos indígenas


Ontem publiquei um resumo das violências praticadas contra povos indígenas: mortes, espancamentos, ameaças. Mas outras notícias publicadas ao longo do ano pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) ajudam a entender como os direitos dos índios são sistematicamente violados no Brasil – oferecendo condições estruturais àquelas violências mais explícitas.

Algumas histórias tratam da disputa pelo território – e de despejos de populações indígenas:Na Bahia, indígenas Pataxó Hã-Hã-Hãe podem ser despejados a qualquer momento (07/01)
Entidades repudiam proposta de retirada Xavante de terra tradicional pela segunda vez (30/05)
Povo Xavante declara guerra contra segunda expulsão da Terra Indígena Marãiwatséde (08/08)
Fazendeiros destroem aldeia e expulsam índios Guarani Kaiowá em MS (07/09)
Despejo paira sobre Laranjeira Nhanderu mais uma vez (22/09)
Grilagem e invasões avançam sobre Território Indígena Karitiana (11/10)

Essa disputa pelo território – vale sempre observar - é uma disputa econômica:
Construção da usina de Belo Monte ameaça indígenas isolados (18/03)
Indígenas denunciam invasões de madeireiros no Maranhão (03/10)
O garimpo volta a ameaçar o Povo Yanomami (14/10)

Outras notícias mostram a questão ambiental. A questão agrária é econômica, mas também ambiental:
Rio Peruaçu e povo Xakriabá ameaçados (08/02)
Soja pirata na Terra Indígena Maraiwatsede (04/03)

Estas notícias mostram a exploração do trabalho indígena. Alguns ainda são escravizados:
Indígenas são explorados em condições degradantes (02/03)
Indígenas de Roraima publicam manifesto contra tráfico de pessoas no Estado (17/03)

Outros links do Cimi sintetizam as violações de direito e as condições socioeconômicas das populações indígenas:
Dia do Índio: MPF/RO denuncia 110 violações de direitos dos índios (20/04)
Maior proporção de miseráveis está entre população indígena (11/05)
Povo Kaingang bloqueia nove rodovias no RS por melhorias na saúde indígena (09/08)

Em meio à disputa política, porém, governos adotam uma solução tradicional: a repressão policial.
Neste momento, Polícia Militar cerca indígenas e apoiadores no Santuário dos Pajés (03/11)
Cerca de 200 policiais mascarados desalojam comunidade Tabajara na Paraíba (30/11)

Algumas lideranças são simplesmente presas:
Prisão de mais uma liderança Tupinambá de Olivença (04/02)
Nota sobre a prisão de lideranças indígenas do Povo Terena da Terra Indígena Buriti, MS (30/08)

Deixo para segunda-feira o desfecho desta série. Quanto investiu o governo Dilma em 2011? E qual o papel da imprensa na perpetuação dessas violências?

Feliz 2012 a todos.

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

LEIA MAIS:
Como foi a matança de indígenas em 2011
Governo só gastou 33% dos recursos para proteção de indígenas, diz o Cimi


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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

500 anos depois
Como foi a matança de indígenas em 2011


Listo abaixo uma relação dos títulos (com links) de notícias publicadas ao longo do ano pelo Conselho Indigenista Missionário. São histórias de mortes, ameaças, espancamentos. E de impunidade.

Utilizo o recurso referencial porque as histórias dizem muito por si só. Até mesmo os títulos, isoladamente, são em si informativos – ainda que não tragam os detalhes sobre os povos e pessoas vitimados.

Observo que estas histórias são apenas uma amostra da violência praticada em 2011 contra os povos indígenas, 511 anos após a invasão de suas terras:
Indígenas Xavante morrem por falta de assistência à saúde (11/01)
Indígena Krikati é baleado dentro de sua terra, no Maranhão (17/03)
Comunidade Terena de Cachoeirinha continua sob forte ameaça (20/04)
Índice de homicídios em aldeias de Dourados é 800% maior que média nacional (03/05)
Ônibus com estudantes Terena é atacado em Mato Grosso do Sul (04/06)
Mais um corpo Guarani estraçalhado no chão (02/07)
Guarani Kaiowá é espancado por homens encapuzados no MS (20/07)
Sob as lonas pretas, mais uma criança Guarani Mbya morre sem ter vivido dentro de sua terra (20/07)
Cacique Xakriabá é alvo de emboscada no norte de Minas Gerais (04/08)
Dia Internacional do Índio é marcado por ataques a índios isolados (10/08)

MORTES ANUNCIADAS

Vale destacar aqui a sequência das notícias de agosto: o Conselho Indigenista avisou, dias antes, que pistoleiros ameaçavam os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul:Cerco de pistoleiros ameaça grupo Guarani Kaiowá (12/08)
Pistoleiros invadem e destroem acampamento Guarani Kaiowá em MS (15/08)

Vale repetir: o País estava avisado sobre a matança. Mas prossigamos com a listagem.

Notem que o ataque ao ônibus escolar, em junho, tem em agosto um desfecho fatal:
Morre mulher Terena vítima de ataque a ônibus escolar (24/08)
Indígena do povo Canela é assassinada brutalmente no Maranhão (31/08)
Fazendeiros destroem aldeia e expulsam índios Guarani Kaiowá em MS (07/09)
Indígena Awá-Guajá é agredido por madeireiros no Maranhão (09/09)
Indígena da comunidade de Y’poi é barbaramente assassinado no MS (28/09)
Indígenas do Santuário dos Pajés, no DF, são espancados por seguranças de construtora (13/09)
Lideranças Tapirapé são ameaçadas de morte (03/11)
Povo Kaiowá Guarani sofre novo ataque no Mato Grosso do Sul (28/11)
Ameaçados de morte no Pará participam de Encontro e divulgam Carta (15/12)


A VIOLÊNCIA PERPETUADA

Em poucas palavras: o extermínio de índios prossegue no Brasil.

Levantamentos preliminares do Cimi mostram que foram 45 assassinatos de indígenas em todo o país. Trinta deles no Mato Grosso do Sul.

Esta reportagem do próprio Cimi mostra os dados de 2010:Violência contra os povos indígenas: continua tudo igual!

A notícia abaixo trata de um homicídio antigo. Mas que repercutiu este ano por conta do julgamento dos acusados:
Caso Cacique Veron: os condenados absolvidos (04/03)

Uma notícia publicada no dia 17 de maio relembra outra matança:2.000 Waimiri-Aitroari desaparecidos durante ditadura militar

A BANDEIRA PERFURADA

Os fatos são suficientemente exclamativos. Em vez de gastar, por ora, palavras de protesto, destaco três artigos de Egon Heck, o coordenador do Cimi em Mato Grosso do Sul.

Aqui ele fala sobre a morte de Guarani Kaiowá:
E a vida os e-levou

Neste artigo ele analisa o genocídio. E fala sobre os "caminhos da esperança":
Povos Indígenas: caminhos do genocídio e da esperança

Aqui, Heck escreve especificamente sobre Nísio Gomes, uma das vítimas:
Nísio, o sorriso matado

O início é antológico:

- O primeiro tiro foi na cabeça. Nisio já há algum tempo usava um simpático chapéu no qual estava estampada a bandeira do Brasil. Um rombo na bandeira mostra o tiro covarde que tirou a vida do cacique-Nhanderu Nisio Gomes, naquela fatídica madrugada do dia 18 de novembro. Não apenas rasgaram a bandeira, mas a perfuraram com várias balas calibre 12.

Sugestão ao leitor: abra o artigo para conferir a foto com o sorriso de Nísio. (Outra sugestão é abrir as demais notícias - e divulgá-las.)

Amanhã voltaremos ao tema, com outras notícias divulgadas pelo Cimi e dados sobre a política indigenista do governo Dilma Rousseff.

Por ora ficamos com esses relatos de mortos, espancados e ameaçados.

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)


LEIA MAIS:
A violação sistemática dos direitos indígenas
Governo só gastou 33% dos recursos para proteção de indígenas, diz o Cimi


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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Guarda Civil agride desabrigados da Favela do Moinho

O padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo, informou nesta terça-feira que se reúne hoje com o prefeito Gilberto Kassab, às 14 horas, para discutir dois temas: 1) os desabrigados da Favela do Moinho, que pegou fogo na última quinta-feira; 2) a situação da população de rua.

Ele relatou em sua página no Facebook o conflito entre membros da Guarda Civil Metropolitana e moradores que tentaram armar seus barracos em um terreno vizinho, na região dos Campos Elíseos, “com o pouco que sobrou após o incêndio”.

- Foram atacados com cacetetes - disse o padre a este blog. - Cheguei no local logo depois, pois estava com o Promotor Público de plantão para solicitar providências para a favela.  Vi as pessoas revoltadas e machucadas a golpes de cacetetes. Negociamos muito [com os dois lados] até serenarem.

A Rede Record registrou imagens do conflito entre GCM e desabrigados. Um dos guardas atira pedras em direção à multidão - em resposta a pedras arremessadas por alguns deles. As imagens mostram crianças atônitas em meio aos guardas. Um desses profissionais, após atirar uma pedra, esconde-se em seguida atrás de outro guarda.

O apresentador da Record declara-se "contra ocupações", segundo ele "um crime", mas critica a GCM e diz que está "ao lado dos moradores". Ele afirma que "não é com cacetete que se resolve questão social".

À tarde a favela foi visitada pelo Arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer. Um dos advogados da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese, Geraldo Majela Pessoa Tardelli, comentou na página virtual do padre Julio: “É impressionante que a GCM de São Paulo esteja tão violenta. As queixas na Comissão são constantes”.

O portal UOL registrou à noite o conflito, no pé de uma notícia sobre os moradores da favela. A notícia informava que os moradores rejeitaram proposta da prefeitura de receber R$ 300,00 mensais, por 30 meses, às famílias que perderam suas casas.

Segundo o portal, a GCM reprimiu um grupo de dez famílias que ocupou um terreno do Ceagesp, a companhia de abastecimento ligada ao governo estadual. “Após alguns xingamentos, os guardas teriam se irritado e agredido os moradores”.

O UOL reproduz nota da Secretaria Municipal de Segurança Urbana: “Os guardas civis metropolitanos estão  apoiando os agentes da subprefeitura para evitar invasões de áreas públicas e prestar atendimento à comunidade”. Segundo a secretaria, a confusão começou após um morador se recusar a deixar o terreno.

- Um dos munícipes se recusou a cumprir a determinação de não permanecer no local e desacatou o agente que o advertiu. Houve um desentendimento, já controlado. O caso será apurando pela Corregedoria da Guarda Civil Metropolitana para avaliar a conduta dos guardas.

Cerca de 380 famílias – entre 532 que moravam no local – tiveram seus barracos queimados. Duas pessoas morreram carbonizadas e outras seis estão desaparecidas. As vítimas estão abrigadas em um ginásio na Barra Funda e dois barracões de escola de samba.

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sobre as ameaças a quilombolas e sem-teto – e sobre indiferença e imprensa

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Hoje conto uma notícia – sobre ameaça a quilombolas no Maranhão – tentando refletir sobre notícias. O título é: “Quilombolas são ameaçados – e ameaçados – e ameaçados – no Maranhão”.

É um convite ao leitor a um tema (as ameaças, as mortes), mas também ao modo como chamamos atenção a ele. Por meio de títulos, por exemplo. E sobre a difícil equação entre a sensação de mesmice (e impotência) em relação a certos assuntos e a necessidade de nos mantermos acesos em relação a eles.

Escrevo mais uma vez, portanto, sobre indignação e conformismo; sobre um jornalismo embrutecido e um leitor entorpecido.

O jornalismo está em crise. Ontem publiquei uma notícia parecida com a dos quilombolas, sobre atentados contra um líder sem-teto no Distrito Federal. Mas ela esteve longe de estar entre aquelas com maior índice de leitura deste espaço – e desconfio que não somente pelo Natal.

Busco esta reflexão porque considero importantíssimo que o leitor se interesse por temas assim: ameaças a um brasileiro (quilombola) no Maranhão, atentados contra um brasileiro (sem-teto) no DF. Os dois são líderes - em um país onde lideranças de movimentos sociais são sistematicamente assassinadas.

Mea culpa número 1: há algo errado no reino do jornalismo.

Escrevi acima sobre jornalismo “embrutecido”. Nos acostumamos a escrever notícias como arremedos da realidade. Mudamos os assuntos como giramos um dial. Ao mudarmos as estações, reduzimos as possibilidades de envolvimento pleno com cada assunto.

Arremedo por arremedo, o leitor se agarra em dramas mais próximos. Ou em relatos sensacionalistas. Estão aí os Datenas da vida (esses irresponsáveis) que não me deixam mentir.

Confesso ao leitor que até pensei em fazer um título absurdo (sobre a pata quebrada do meu gato Tartufo e seu sumiço temporário), como uma espécie de teste de leitura. Para saber se o texto teria mais acessos que a notícia de ontem, sobre o sem-teto ameaçado em Brazilândia. Logo concluí (felizmente) que não era o caso.

Primeiro, por supor óbvio que a notícia (inusitada) do gatinho teria mais leitura. Segundo, porque seria um desrespeito a José da Cruz – e a todos os quilombolas ameaçados no Maranhão.

Terceiro, porque já escrevi, na semana passada, sobre a comoção causada por animais: “Indignação e barbárie: as mortes de cachorros escandalizam mais?

Sinto, porém, a necessidade de seguir convidando o leitor a refletir sobre seu amortecimento. Não só sobre a condição de leitor amortecido (vítima da artilharia jornalística embrutecedora), mas sobre a condição de cidadão amortecido.

Este é o segundo mea culpa necessário – o nosso.

Todos nos vemos reduzidos a uma espécie de Marionetes da Indignação, a personagens manipuláveis de movimentos de massa que só têm beneficiado os patrocinadores das notícias – o mórbido mercado dos meios de comunicação de massa. Ou, agora, os donos das redes sociais.

Esses movimentos são apenas espasmódicos – pois são despolitizados, descontextualizados, desideologizados. Acreditamos que nossas exclamações (ou até eventuais gritos e choros) possuem um caráter Mais do Que Genuíno, quando em muitos casos constituem apenas mais um capítulo de uma farsa cíclica – de uma Comédia da Aceitação.

Essa farsa promovida pela Sociedade do Espetáculo possui um papel atroz: o de perpetuar as próprias mortes e ameaças e atentados – ao naturalizá-los, banalizá-los. Escolho termos pesados, sim. Pois não há inocentes nesse jogo brutal.

O estado das coisas neste país e neste mundo – não tenhamos dúvida – é pouco mais do que sórdido. Os quilombolas, por exemplo, são os descendentes de escravos. Os sem-teto descendem igualmente desses escravos – e dos expulsos do campo, dos refugiados.

É dos espoliados que estamos falando mais uma vez. Dos excluídos, eliminados, violentados. Mas nos acostumamos com isso. Consideramos normal suas lideranças serem ameaçadas. Ameaçadas. Ameaçadas. E mortas.

As pessoas na sala de jantar precisam cear com alegria em meio às pílulas de indignação – e que venha em seguida uma notícia mais amena, por favor.

LEIA MAIS:
Quilombolas são ameaçados – e ameaçados – e ameaçados – no Maranhão
Líder de sem-teto no DF relata mais um atentado contra sua vida

REFLEXÕES SOBRE IMPRENSA:
Indignação e barbárie: as mortes de cachorros escandalizam mais?
Sobre imprensa, estudantes e tortura

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Quilombolas são ameaçados no Maranhão

José da Cruz está marcado para morrer. A Comissão Pastoral da Terra divulgou este mês que o poço d’água utilizado pela comunidade quilombola Salgado, em Pirapemas (MA), foi envenenado. Dezoito animais pertencentes a Cruz morreram. Em agosto ele perdeu uma porca – morta por um pistoleiro, que disparou várias vezes contra sua casa.

Os alvos não eram somente os animais.

No último dia 16 de dezembro, a Comissão de Direitos Humanos da OAB fez uma coletiva de imprensa em São Luís, para denunciar os atentados. Dias depois, Cruz informou que dois pistoleiros o procuraram em sua casa para matá-lo.

Os conflitos na comunidade já duram 30 anos. Dois posseiros disputam as terras e o acesso à água. A Justiça emitiu uma decisão favorável aos descendentes de escravos, em outubro de 2010, mas os fazendeiros entraram com um mandado de reintegração de posse.

Há suspeita de conivência da polícia com os dois fazendeiros. Um escrivão foi visto em companhia dos suspeitos. E dirigindo o carro de um deles.

A Anistia Internacional lançou na quinta-feira uma campanha internacional em defesa da comunidade. E ela não é a única ameaçada no Maranhão. Segundo o caderno Conflitos no Campo 2010, da CPT no Maranhão, o Estado tem 170 áreas de conflito – e 59 quilombolas ameaçados.

Dezoito lideranças fizeram greve de fome em julho, na sede do Incra-MA, em protesto contra os conflitos no Estado. Em outubro de 2010, foi executado o líder Flaviano Neto, do quilombo Charco, em São Vicente Ferrér. Outros quatro líderes foram mortos de lá para cá.

Em julho, os ameaçados foram o próprio coordenador da CPT no Maranhão, padre Inaldo Serejo, e o advogado da comissão, Diogo Cabral.  Serejo escreveu uma carta no dia 14 onde diz que, em 2011, as famílias quilombolas de Salgado “sofreram vários tipos de humilhações, ameaças, intimidações e violência em seu território”.

- Contudo, o Estado fez pouco caso da situação. A cada dia, maiores são as violências contra a Comunidade Salgado/Pontes. Tememos o pior!

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Líder de sem-teto no DF relata mais um atentado contra sua vida

Em setembro, Edson Francisco da Silva teve sua casa invadida, em Brazilândia (DF). Dezoito tiros foram disparados, mas somente um o atingiu – de raspão. Ele conseguiu fugir. A probabilidade é de crime político: Silva é membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

A organização promove a campanha Sem Teto com Vida, por conta das ameaças e homicídios conta militantes do movimento. É possível assinar uma petição pública em prol dos sem-teto.

Na última terça-feira, Silva ia de moto para Ceilândia quando passou a ser perseguido por um carro vermelho, em alta velocidade. Ele conta que não era a primeira vez que o perseguiam – em outra ocasião, meses antes, conseguiu despistar as pessoas, em Ceilândia.

O carro atingiu a traseira da moto próximo da rotatória da BR-070, perto de uma área ocupada em julho pelo MTST. Silva conseguiu controlar inicialmente a moto, mas depois bateu no meio-fio e foi arrastado na grama. Bateu a cabeça, o ombro, mão e perna.

Era a madrugada da segunda para terça-feira. Ele foi ao pronto-socorro e passa bem. O site do MTST conta que, no 24º DP, não queriam registrar a ocorrência porque a moto não estava no local, para ser periciada.

- Mas se tentaram te matar essas duas vezes você deve ser envolvido com coisa errada, não é não? - teria dito o policial.

- Não senhor, sou só militante de movimento social!

- Ah, então...

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

LEIA MAIS:
A madame na calçada e os sem-teto na PaulistaSem-teto temem "conflito do século" em São José dos Campos


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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A criança que não sorria

O desembargador Antonio Carlos Malheiros contou esta história em 2007, em Brasília, durante um seminário do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Ele utilizou boa parte de seu tempo para motivar os militantes presentes.

Falou do trabalho de conscientização dos jovens “e arrogantes” juízes em São Paulo e de sua história na Comissão de Justiça e Paz - decisiva no combate à ditadura.

Em seguida contou um pouco do seu trabalho como voluntário em hospitais paulistas. É quando ele invoca um lado palhaço para contar histórias às crianças internadas.

Um dia soube do caso de um menino com o rosto desfigurado. Uma criança “sem rosto”, como definiu.

O pai do menino assassinara sua mãe e tocara fogo no barraco. As sequelas estavam sendo combatidas no Pavilhão dos Queimados do Hospital Emílio Ribas.

Era uma véspera de Natal e Malheiros decidiu fazer o que sempre faz nessas situações: dirigiu-se ao leito do menino para contar histórias.

Começou a contar. Nenhuma reação.

Insistiu. Ficou parte da tarde contando histórias. Mas o menino não reagia.

Malheiros pensou:

- Puxa, estou perdendo meu tempo aqui. Poderia estar com meus filhos, numa véspera de Natal, mas estou contando histórias para uma criança que não reage.

Insistiu novamente, contudo, por mais um tempo. Depois foi fazer outras coisas no pavilhão e encaminhou-se para ir embora. Nesse momento, percebeu um puxão no jaleco.

- Tio...

Era ele: o menino sem rosto.

O desembargador ficou surpreso e perguntou o que ele tinha a dizer.

Difícil esquecer a resposta.

- Pode não parecer, mas eu estou sorrindo...

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

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O vazio na mesa ao lado do bar

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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Sobre o Estadão, João Rodas e José Sarney – da USP ao Maranhão

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Trabalhei por muitos anos no Estadão. Não é o pior dos veículos conservadores deste País. Consegue até obter algum respeito de setores de esquerda, por conseguir ser mais honesto (segundo esses setores, MST inclusive) que jornais como a Folha (que seria mais hipócrita) e veículos como a Veja – este, quase hoje por aclamação entre os mais bem informados, o grande detrito editorial do Brasil.

Mas o editorial desta quarta-feira do jornal, aliado a um artigo do editorialista José Nêumanne, motivam um sinal de alerta em relação à linha adotada pelo jornal paulista. Atenção, senhores editorialistas, senhora Marcia Guerreiro (minha colega de Facebook): vocês têm tanta certeza assim de que João Grandino Rodas está do lado da democracia?

E de que somente a “extrema esquerda” esteja questionando modelos militarizados de polícia, repressões e abusos não somente na Cidade Universitária, mas em todo o País?

O Estadão ajudou a fundar a USP. Como uma universidade, aliás, a serviço das elites. Quem já deixou isso claro foi nada menos que o historiador Fernand Braudel – da missão francesa que veio legitimar a Universidade de São Paulo. Somente com o tempo a universidade abrigaria (e de fato abriga) representantes de classes mais baixas (mas nunca na chefia da reitoria).

Talvez por esse vínculo afetivo com a USP o jornal esteja avançando o sinal em relação a Rodas, o reitor biônico. Seria uma posição ingênua do vetusto e centenário jornal? Vejamos.

O Estadão, que rejeitou o acirramento da repressão durante a ditadura militar, talvez possa lembrar que o reitor da USP deveria ser o senhor Glaucius Oliva, atual presidente do CNPq. Pois João Rodas foi apenas o segundo mais votado pela comunidade acadêmica. O governador José Serra escolheu o segundo colocado– e aqui nem estou falando de eleições diretas, hoje inexistentes.

O Estadão coloca-se como vítima do regime militar – o de 1967, não o de 1964. E foi. Coloca-se também como censurado – está desde o dia 31 de julho de 2009 sem poder publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, que investiga a família do senador José Sarney (PMDB-AP). E, de fato, o jornal está sendo censurado – merece, nesse aspecto, o apoio incondicional de todas as forças democráticas do País.

Pois, caros editorialistas, o senhor João Grandino Rodas nada fica devendo ao senhor José Ribamar Ferreira da Costa Araújo - o Sarney. João e José, José e João, ambos estiveram do lado da ditadura militar que vocês combateram. O Estadão chegou a publicar receitas de bolo nos jornais para indicar que os militares praticavam censura. Mas Rodas e Sarney, Sarney e Rodas, família Mesquita, possuem a mesmíssima matriz: eles mandam no Maranhão e na USP como se fossem os quintais de suas casas. Sem consultar ninguém.

Todos sabem que Sarney era da Arena. Mas poucos sabem que Rodas votou contra as vítimas da ditadura. Confiram nesta reportagem publicada no jornal Brasil de Fato.

A USP está se tornando um Maranhão. Por lá, no Estado com quatro senadores, a legalidade é mandada às favas, na medida em que até a toponímia local se dá à margem das leis brasileiras. E dá-lhe Ponte José Sarney, Tribunal de Contas Roseana Sarney, Forum Trabalhista José Sarney, e assim por diante. São homenagens (eleitoreiras, aliás) a pessoas vivas – algo vedado pela legislação brasileira. Mas vá ao Maranhão protestar contra eventuais abusos de poder para ver se os principais jornais locais vão publicar.

Na Cidade Universitária, policiais entraram (antes mesmo do convênio assinado por Rodas, antes mesmo da morte do aluno da FEA) para reprimir estudantes – e até mesmo funcionários e professores, os netos de Braudel e Lévi-Strauss, os filhos de Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso.

Até este jornalista (não exatamente de extrema esquerda) foi abordado de forma humilhante, em frente da FEA, uma semana após o assassinato do estudante de Ciências Contábeis. “Mãos à cabeça. Você tem entorpecente no carro? Não? Mas... usa entorpecente?” Apontaram uma arma para o bandido imaginário que estava no meu porta-malas e olharam (de forma curiosamente paranoica) para um corretivo de pele que eu levava a uma amiga. “Mãos à cabeça! Abre as pernas!”

Somente o Doutor Pangloss e Cândido podem acreditar que essa polícia estava e está no campus para proteger a comunidade, não é mesmo? Preciso aqui mencionar também Pollyanna e a Velhinha de Taubaté (personagem do articulista Luis Fernando Verissimo), para as referências a Voltaire não ficarem muito elitistas?

Que o senhor José Nêumanne Pinto seja conservador não temos a menor dúvida. Mas, caro Nêumanne, comparar os estudantes que ocuparam a reitoria a bandidos... perdeu a noção, senhor jornalista? Que tal tirar o risinho do canto da boca e invocar algum espírito de medida (esse que tanto atribuem aos franceses). Está com inveja do Reinaldo Azevedo e do Diogo Mainardi, José Nêumanne? Você é mais inteligente que isso – e pode ser melhor.

Os estudantes que se proclamam “presos políticos”, senhor editorialista, não estavam assaltando bancos. Nem traficando drogas. Ou estuprando, achacando, subornando. Estavam utilizando um recurso (aprove-se ou não, equivocado ou não) eminentemente político. Ou vocês não sabem que sem ocupações não teríamos tido nem esse arremedo de reforma agrária que tivemos no Brasil? Discordem, tomem as posições políticas – mas com o mínimo de honestidade, é pedir demais?

Se for esse País policialesco que desejam, jornalistas e donos do Estadão, digam. Assumam. Mas não somente em relação à USP (onde talvez um de seus filhos e netos ainda venha a estudar), mas para o País inteiro. Sabendo, porém, exatamente que serpente estão criando. De Boa Vista à Avenida Paulista.

O próprio jornal já sofreu e sofre isso na pele. E, como possui pretensões políticas um tanto mais refinadas, espero sinceramente que não queiram fazer o mesmo tipo de jornalismo que O Estado do Maranhão – ou demais veículos da família Sarney.

Vale lembrar, conforme notícia do portal Brasil 247, o que o promotor Valter Foleto Santin, do Ministério Público Estadual, abriu, em relação a João Rodas, o Inquérito Civil 088/2011, pela Promotoria do Patrimônio Público e Social. Ele é investigado por: “Violação aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, burla ao acesso de cargo mediante concurso público, lesão aos cofres públicos e improbidade administrativa”.

Ainda nesta terça-feira, João Rodas começou a demolir os prédios que abrigam o Núcleo de Consciência Negra – em um país onde o homicídio de negros cresceu 23,4% nos últimos oito anos. (Que tal um editorial sobre isso?)

José Sarney está lá, onde sempre esteve.

João e José estão a postos. E não estão para brincadeira.

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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Indignação e barbárie: as mortes de cachorros escandalizam mais?

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Longe de mim questionar a indignação diante das violências contra cachorros – ou quaisquer animais. Ela é mais do que legítima e mostra que nem a tudo estamos habituados neste mundo pleno de barbárie. Único ponto a ser desenvolvido é o da indiferença seletiva: por que a morte de camponeses e indígenas, a violência contra quilombolas ou moradores de favelas não gera o mesmo clamor?

Claro, trabalho dos mais árduos para sociólogos, psicólogos, cientistas sociais de um modo geral. Mas me aventuro a dizer que, no caso dos animais espancados, os inimigos não são tão ameaçadores assim – no sentido de que atacá-los constituirá um consenso e nada ocorrerá a quem faça isso. É como se não tivéssemos nada a perder.

Em contrapartida, o ataque a um ônibus escolar indígena, no Mato Grosso do Sul, ou a morte de dois líderes agroextrativistas no Pará, ambos os casos ocorridos este ano (entre centenas de outros exemplos), não geraram nem 10% das exclamações feitas em relação ao cachorro de Goiânia. Os motivos talvez sejam políticos – e econômicos.

Vou repetir a minha linha de pensamento para que não haja distorções: eu também participo da indignação em relação ao yorkshire espancado e morto pela enfermeira goiana - aquele flagrado em vídeo que ocupou a internet nestes meados de dezembro. Deploro. Choco-me. Choro.

O que questiono (e eu disse que seria repetitivo) é a desproporção entre essa justa revolta e a indiferença – injusta - em relação a seres humanos igualmente (e sistematicamente) vítimas cotidianas de violência.

Ocorre que, sem ser necessário desenvolver a fundo conceitos marxistas, as violências contra esses grupos sociais citados (e eu já citei que entre eles estão crianças) têm motivações também econômicas. Não tenho a menor dúvida em relação a sadismos de policiais, jagunços, fazendeiros – mas, sim, existe nesses casos um componente de luta de classes. Isto por um lado. De disputa por territórios (não necessariamente capitalistas, aliás) por outro.

Desta forma, o indignado no sofá fica em uma razoável zona de conforto. Pode dar vazão à sua indignação apenas quando os seres humanos ameaçados fazem parte de seu círculo social imediato; ou seja, quando ele mesmo corre risco. E pode ficar exasperado quando um cachorro é arrastado por seu dono, até que morra, numa cidade do interior paulista.

Esse cachorro não está no seu circuito econômico (como a mão-de-obra dos espoliados), nem mesmo se destina à sua mesa – e não gera qualquer necessidade adicional de comprometimento político. Não há embate ideológico.

Vale lembrar, aqui, que os ruralistas vaiaram no plenário da Câmara, este ano, durante a votação do Código Florestal, vaiaram estrondosamente a notícia de que dois líderes extrativistas tinham sido mortos no Pará. O interesse político, no caso, se sobrepõs à capacidade de indignação. De seres humanos que talvez tenham ficado chocados com a agonia do yorkshire.

Todo esse mecanismo, diga-se, não parte de decisões individuais, conscientes, mas de um código de valores perpetuado no dia a dia – pelos jornais, pelo sistema, pelo medo de mudanças. Não estou personalizando a crítica, demonizando os indiferentes; apenas tentando entender as contradições.

Em outras palavras, é como se a nossa indignação girasse em torno não das reaparições da barbárie, mas do rompimento de determinados pactos culturais e sociais. Não necessariamente sacramentados em leis. Uma indignação ritualística, psicologicamente necessária – mas politicamente precária.

Muita coisa sórdida, assim, é simplesmente aceita – ignorada, complacentemente escanteada do rol de indignações. Quando não aplaudida. E muita coisa sórdida gera movimentos incríveis de súbita solidariedade – desde que essa solidariedade, evidentemente, não ameace os códigos anteriormente citados. 

“Eu não vou ver esse vídeo violento, esse cachorro sendo torturado, eu não vou” – mas e esses estudantes e sem-teto folgados, hem? Borracha neles!

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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Ela tem um filho de 2 meses; foi expulsa da USP e da moradia

Amanda e Salvio conheceram-se no movimento estudantil. Ambos estudam Filosofia na Universidade de São Paulo e moram no Crusp (Conjunto Residencial da USP). No dia 24 de outubro, nasceu o primeiro filho do casal. Dois dias depois, ela recebeu uma carta, da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas) da universidade: informando que não poderia continuar na moradia. Quase dois meses depois, na última sexta-feira, nova informação: Amanda está entre os seis expulsos pelo reitor João Grandino Rodas.

Com um filho no colo, entre uma e outra amamentação, ela tenta ainda assimilar o que está acontecendo. “Decidi não me estressar pessoalmente, por causa do meu filho”, disse ontem ao blog, logo após um ato dos estudantes contra as expulsões, em frente da reitoria. “Até para continuar no movimento estudantil, dando de mamar. Agora me vejo em duas frentes de luta – no movimento e com meu filho”.

Amanda Freire é uma das três estudantes expulsas, a uma semana do Natal, ao lado de Jéssica Trinca (da Letras) e Aline Camoles (Artes Cênicas). A lista é completada por Bruno Belém (Artes Plásticas), Marcus Dunne (Letras) e Yves Souzedo (Geografia). Eles foram acusados de ocupar o espaço do Serviço Social da Divisão de Promoção Social da Coseas, no bloco G. O decreto da reitoria fala em “eliminação do corpo discente” – eles não podem mais voltar à universidade nem nela trabalhar. Cabe recurso, que deve ser movido ainda hoje pelos advogados.

“Recebi a notícia de que não poderia ficar na moradia das mãos de um agente de segurança da USP, dois dias após o nascimento do meu filho”, conta Amanda, de 29 anos. Era uma carta da Coordenadoria de Assistência Social. “Normalmente nos chamam para conversar na Coseas, desta vez mandaram um agente, sem privacidade. Mandaram as mesmas pessoas que nos vigiam e perseguem, com uma carta praticamente aberta, num plastiquinho”. Ele disse apenas uma frase: “Assine aqui”. 

Salvio observa que a Assistência Social da USP deveria prever um tratamento melhor a uma mãe. “É uma contradição, justo na maior universidade pública do Brasil”. Ele demonstra uma serenidade em relação aos últimos acontecimentos. Amanda fez um discurso indignado, contra o que considera um “cerco” do PSDB na universidade, e estava particularmente azarada – recebeu duas picadas de formiga no pé, enquanto dava a entrevista, e teve de entregar o bebê ao companheiro diante da dor. “Se a polícia está batendo aqui, imagina lá fora”, discursou.
 

Em entrevista à Folha, publicada nesta terça-feira, Amanda afirma que nem estava na ocupação do espaço da Coseas. E que seu nome foi incluído por questões políticas.

A família dela é de São Mateus, na zona leste de São Paulo. Ela teve dificuldade de tocar o curso nos dois primeiros anos, diante da distância. Só então conseguiu uma vaga no Crusp. Ela e Aline foram diretoras da Amorcrusp, a Associação dos Moradores do Conjunto Residencial, em uma gestão de esquerda. A ocupação da atual Moradia Retomada, em março de 2010, foi o episódio que deu origem aos processos que culminaram em sua “eliminação” da USP.

“Não somos só os seis expulsos, somos os 73 presos durante a desocupação da reitoria (Aline e Jéssica também estavam entre os 73), somos os outros 20 que estão sofrendo processos”, diz Amanda. “É tudo a mesma coisa. Tudo parte do mesmo processo de criminalização da política na universidade. Estamos indo mais para a delegacia do que para a sala de aula”.

Em seu discurso durante o ato, Amanda criticou a entrada da polícia no campus "para proteger os bens dos ricos". "Os carross na FEA (Faculdade de Economia) serão protegidos. Não precisam mais de alarme. A PM está na USP como segurança particular de burguês". Ao contrário de outros colegas (punidos por expulsões ou presos durante a desocupação da reitoria), Amanda não integra nenhuma facção política. "Temos de acabar com a universidade burguesa e elitista".
 
A este blog, mais calma, ironizou as punições: "Veja o perigo que oferecemos à universidade: uma mãe com seu filho. Eles temem a proliferação dos revolucionários?"
 
Ela disse que o termo “eliminação” - utilizado no decreto do reitor que determinou as expulsões - foi utilizado na legislação da USP de 1972 em um contexto de ditadura. Segundo ela, significava mais do que expulsão. “Eliminação era te colocar no porão e nunca mais ser visto”. 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Expulsões na USP: Rodas fala à Folha em “sumiço de documentos”

Em entrevista publicada nesta segunda-feira na Folha de S. Paulo, respondida por escrito, o reitor João Grandino Rodas disse que a expulsão de seis estudantes da USP, decretada na sexta-feira, não foi excessiva por conta de “ações graves, como desaparecimento de milhares de prontuários”.

Esses documentos, diz ele, continham informações sigilosas da saúde e da família de alunos da universidade e da Escola de Aplicação da USP. Ele fala também de “desaparecimento e danos do patrimônio público”, sem entrar em detalhes.

Rodas afirma que o decreto de 1972 sobre disciplina, no qual a reitoria se baseou para as punições, foi incorporado ao estatuto da USP “porque os alunos preferiram fazê-lo do que [sic] redigir novo texto”.

“Os que imaginam que o fundamento legal não vale terão oportunidade de contestá-lo judicialmente e tentar a anulação das penas”, afirma o reitor. Segundo ele, a comissão que presidiu o processo administrativo se baseou em provas. “Se os referidos alunos têm certeza de que nada fizeram a não ser manifestações políticas, poderão recorrer ao Judiciário”.
 

O jornal publicou ainda uma nota sobre a versão apresentada pela estudante Jéssica Trinca. "Em vídeo, aluna punida diz que medida foi política", diz o título.

Nesta segunda-feira os estudantes realizaram ato em frente da reitoria, a partir das 13 horas, em protesto contra as expulsões.
 

A VERSÃO DOS ESTUDANTES
 

“É mentira”, disse ao blog nesta segunda-feira Jéssica Trinca, em relação ao sumiço dos prontuários. “Saíram matérias na mídia dizendo que devolvemos todos os documentos à Coseas” (A Coordenadoria de Assistência Social da USP).
 

Ela diz que a acusação de dano ao patrimônio é infundada, pois 40 estudantes moram no térreo do bloco G – o da Moradia retomada. “Se o patrimônio tivesse de fato sido danificado essa pessoas não teriam condições para morar”, afirma a estudante.

Jéssica diz que o reitor não assume que cortou a luz da moradia retomada, “que ficou 7 meses no escuro”.
 
ASSESSORIA DE IMPRENSA
 

O boletim da assessoria de imprensa da USP trouxe nesta segunda-feira mais detalhes sobre os processos movidos contra os 13 estudantes – seis expulsos, cinco absolvidos e dois que terão a punição anotada em seus prontuários. Segundo a reitoria, foram extraviados, durante a ocupação do bloco G, 4 mil prontuários, 300 documentos de trabalho, 10 pastas, 17 computadores, duas impressoras, nove aparelhos eletrodomésticos, dois televisores, 13 aparelhos telefônicos, 20 talões de tíquetes-refeição e 12 toneladas de alimentos.
 

Não há informações, porém, sobre acusações específicas de furto (na Justiça) contra os estudantes punidos.
 

"Mesmo se quiséssemos não conseguiríamos, cada um, carregar duas toneladas de alimentos", rebateu Amanda Freire, nesta terça-feira, a este blog. "Isso tudo é uma mentira, é só para trazer a opinião pública para o lado deles, todos os documentos e prontuários foram entregues pela ocupação, isso foi registrado e protocolado". Ela disse em entrevista à Folha que os estudantes que ocuparam o espaço entregaram tudo que encontraram no local, "em um ato público".
 

OUTRA POLÊMICA
 

A reitoria alega que a decisão por expulsão teve o respaldo de "quase todos" os diretores de unidade. O Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) disse durante um ato nesta segunda-feira que os diretores de quatro unidades não estiveram presentes na reunião, que teria sido feita à margem da reunião do Conselho Universitário. Seriam os diretores da Escola de Comunicações e Artes, Faculdade de Educação, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e (a se confirmar) Faculdade de Direito - redutos de oposição a Rodas.


Ao blog vi o mundo, o professor Adrián Fanjul, da FFLCH, disse que participou da reunião do CO no dia 13 de dezembro e que o assunto das expulsões não foi discutido. "Nem por parte da reitoria nem de nenhum outro dirigente", afirma. A data consta do despacho sobre as "eliminações" publicado no Diário Oficial.
 

Durante o ato contra as expulsões, na segunda-feira,  professor Luiz Renato Martins, da ECA, fez um discurso mais exaltado do que os estudantes. Voltando-se contra a reitoria, chamou o reitor de "fascista", "franquista" e salazarista", em referência aos regimes autoritários do século XX na Europa.
 

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
 

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